Quando o peso da mente é maior que o do corpo

sábado, 9 de julho de 2016


Vamos falar de um fenômeno um tanto polêmico, mas que é muitíssimo frequente no mundo de hoje, que é movido a momentos breves e aparência: a gordofobia.

Foi muito bom que este sentimento de repulsa pelo(a) gordo(a) tenha ganhado um nome, pois é algo que sempre existiu e que a internet tem tornado cada vez mais popular.

Sei que muita gente se irrita com a palavra, pois ninguém gosta de se reconhecer como preconceituoso. Muitos pensam que "o preconceito sempre vem dos outros", ainda dentro daquele famoso pensamento de "o problema são os outros", mas é difícil fazer uma auto-análise e ficar frente-a-frente com os defeitos que você menos quer admitir e/ou ainda, que vc mais tenta esconder.


Primeiramente, gostaria de deixar muito claro que os(as) gordos(as), ao pedirem respeito e aceitação não estão dizendo, de maneira alguma "vamos todo mundo ser gordo(a) também". Não é isso! Poucas pessoas conseguem compreender essa diferença, pois partem da premissa que se eu aceito e respeito o outro, eu "me torno o outro" e não é assim. Se você aceitar um negro/um índio, você não se torna negro/índio, se um casal gay ou lésbico se beijar na sua frente, você não se torna homossexual e se vc aceitar as crenças religiosas do outro, isso não significa que você mudou de religião (isso se você possuir alguma).

Há, ainda, a resistência a rotular o que é e o que não é normal. Isso é tão subjetivo e depende de tantas coisas, se vocês pararem bem pra pensar... Na Grécia e Roma antiga, um homem se relacionando com outro homem era normalíssimo! Com o tempo é que isso foi estigmatizado e hoje, as pessoas veem como um tabu... Com a gordura é a mesmíssima coisa, tanto é que se você observar as pinturas antigas, as musas Renascentistas eram mulheres gordinhas... Na era pré-Histórica, as esculturas das deusas e musas também eram gordinhas. No antigo Egito, já não foi assim... Na era Vitoriana, as roupas eram bem marcadas, para valorizar uma cintura fina e quadris e seios fartos, mas as mulheres também eram gordinhas... A moda é algo cíclico - ora a mais bonita, é uma mais magrinha, ora é uma mais gordinha e isso também tem a ver com a sociedade da época. As mulheres mais ricas do Renascimento podiam se alimentar muito bem, logo, eram mais fartas e a população era miserável e como é de praxe que a gente admire pessoas mais ricas e empoderadas, o bonito, na época, era a mulher gorda.

Veja algumas pinturas Renascentistas:



Hoje em dia, nós ainda temos pessoas que vivem na mais absoluta miséria, mas surgiu a classe média, que está conquistando cada vez mais direitos e está consumindo cada vez mais e comprando as ideias das pessoas mais ricas. Agora, o padrão é vc ou ser magérrima ou ser "saradona", que nem uma Panicat. Duvidam? Olhem só todo o mercado que esse padrão de beleza compreende - o pão sempre foi um alimento super-valorizado, mas hoje, se você quer ser saudável, tem comer alimentos integrais ou pão/arroz sei-lá-quantos-milhões de grãos, que são mais caros. Você tem que fazer academia... Se quiser melhores resultados, tem que ter um personal trainer... As barrinhas de cereal e os sanduíches naturais nunca venderam tanto... Energéticos pra vc dar aquele gás na academia... Suplementos alimentares, para o homem ficar musculosão e grandalhão e a mulher ficar com um "corpaço"... Mais e mais produtos light, diet, zero açúcar surgindo... Aí, vem a moda do jump, então, não basta vc fazer academia: pra vc ficar linda e gostosa, tem que ser academia e jump. Aí, vem a moda do pilates... Vamos todas correr loucas pra fazer pilates! Aí, vem o treino funcional... Vamos todas fazer funcional! E as roupas ficando cada vez mais curtas e ousadas e bom... Nem toda roupa assim fica bem numa pessoa mais gordinha... Aí, revistas mostrando mulheres cada vez mais magras... Cada vez mais saradas e lindas... Dietas cada vez mais loucas... Esses dias, inclusive, vi uma revista que prometia que vc perderia 9kg em UM MÊS APENAS!!!Vocês percebem todo esse mercado que existe por trás e está em ascenção? Então, as mulheres mais ricas, que ditam o padrão de beleza feminino (como sempre), são aquelas que fazem mil e um tratamentos, exercícios e dietas malucas para manter a forma e isso é status.


É difícil para as pessoas admitirem e se reconhecerem como pessoas que se moldam às influências sociais. Elas preferem acreditar que "são únicas e têm opinião própria" mas, na verdade, somos uma mistura dessas opiniões próprias com essas influências sociais. Inclusive, compreendendo a questão da moda como algo cíclico e que está sempre mudando, se hoje, o mundo passasse por uma crise muito "braba" onde a classe média tivesse em péssimas condições para consumir os produtos e se alimentar bem, a moda seria ser gordinho(a) de novo!

Não. Eu não estou DE FORMA ALGUMA criticando as pessoas que querem uma vida saudável. Só uma pessoa louca criticaria a saúde (faz nem sentido! Imaginem só alguém dizendo: "esse povo saudável... Ai, que nojinho! O massa é ficar 'doente!'" :P Não faz sentido), mas minha crítica é ao EXAGERO... O exagero nesse culto à beleza, que às vezes, a coloca em primeiro plano e deixa outras questões mais profundas e até mais importantes de lado... Às vezes, as pessoas nem sequer trabalham o seu interior e só focam em aparência e por isso, a figura do(a) gordo(a), que foge a essa regra, causa desconforto e repulsa em muita gente. Lembro até de ter visto adolescentes comendo batata-doce e ignorando as comidas da Ceia de Natal (que as pessoas que prepararam e tiveram um trabalho danado para fazer todo aquele banquete para a família e amigos), com medo de engordar...

Mais uma vez, não estou levantando a bandeira de "vamos todos engordar e é isso aí", mas deixem as pessoas SEREM.


Eu acho de uma falsidade extrema quando alguém, que não tem a mínima intimidade com você, começa a questionar e, às vezes, até a se queixar de sua aparência por você estar acima do peso e quando vão se justificar, dizem "estou dizendo isso para o seu bem". Não, meu(minha) querido(a). Não está. Você está externando algo que lhe incomoda visualmente. Você percebe isso quando, por exemplo, na fala de pessoas assim, não existem comentários positivos ou incentivadores. Os comentários são sempre depreciativos e preconceituosos mesmo. Os famosos "é só fechar a boca e pronto"... "Deixa de ser preguiçoso(a)"... "Não tem um pingo de amor próprio"... "Você está gordo(a)!" (Jura?!?! Nossa! Não temos espelhos em casa para perceber isso. Que bom que você comentou!)...

Eu fico chocada quando vejo mulheres gordas (principalmente as mulheres) se afirmando como "sou gorda SIM e sou gostosa SIM" e a quantidade de gente incomodada com isso! Pessoas que não aceitam quando o(a) gordo(a) está feliz do jeito que é e se aceita assim! É nessas horas que a gente tem uma percepção CLARA da frase, "Pássaros criados em gaiolas acreditam que voar é doença".


Sei que muitos podem dizer "Mas, Dali! Não é saudável! Como assim? Você está dizendo que a gordura, que não é algo saudável, é liberdade?" Sim e não. Tudo é uma questão de ponto de vista, afinal, quando você é magro(a), você tem a liberdade de "escapar" da dieta de vez em quando, mas, por outro lado, você está preso(a) àquela rotina de exercícios e alimentação para manter a sua forma física, o que não deixa de ser "uma prisão".

É libertador quando a pessoa se aceita e se sente bem do jeitinho que é, mesmo com todos os riscos de saúde que as pessoas gordas estão sujeitas. Ela se sente bem daquele jeito e NINGUÉM tem o direito de interferir na privacidade dessa pessoa e tratá-la mal por ela não estar encaixada nos padrões da sociedade atual. Não é libertador, pois a pressão é muito grande e não é uma pressão que motiva a pessoa a emagrecer e sim, que baixa a auto-estima da pessoa... Deprecia... Despreza o seu valor como ser humano para reduzí-la a um corpo. A pessoa fica resumida a "um(a) gordo(a)" e ser gordo ou magro não define em NADA o caráter de alguém.

É muito fácil as pessoas atribuírem estereótipos de que o magro é mais "ligado", mais ativo, uma pessoa de maior sucesso e quando pedem pra pensar numa pessoa magra, pensam numa celebridade que eles acham atraente e os(as) gordos(as) são pessoas preguiçosas, com baixa auto-estima, lentas, improdutivas... E quando pensam em gordos(as), pensam logo em pessoas com obesidade mórbida. Eles não pensam na cantora britânica Adele, que é gorda e linda, nem pensam que existem magros preguiçosos e que também estão sujeitos a uma série de doenças e que existem, sim, gordinhos(as) saudáveis e que estão de bem com a vida. É muito fácil as pessoas simplificarem questões que requerem uma análise e um cuidado maior e mais doses de humanidade. Muitas vezes, a pessoa acaba engordando por estresse... Ansiedade... Por ter uma vida MUITO atribulada... Por depressão... Disfunções hormonais... Tratamento com quimioterapia... E que tem pessoas magras que são assim por genética e não porque estão suando numa academia. Então, pessoas, não vamos fazer esses simplismos, ok?


É verdade sim que existem MUITAS pessoas gordas com baixa auto-estima, mas eu acho que "o buraco é sempre mais embaixo". Tratar as pessoas com simplismos e achar que elas possuem o tipo de corpo que possuem por descuido, por ser preguiçosa, etc nunca é um bom caminho, mas a superficialidade faz parte do mundo regido pelas aparências. As pessoas focam nos resultados e não nas causas. Não vão no "x" da questão.

Você REALMENTE se sente tocado(a) em ver uma pessoa gorda sofrendo de baixa auto-estima? Você REALMENTE quer ajudar? Pois antes de tecer julgamentos, converse com a pessoa. Saiba como é a vida dela. Entenda o porquê dela ser assim. Às vezes, tem profundas raízes psicológicas... Às vezes, traumas... Ainda existem os problemas hormonais... Tudo isso tem jeito, claro, mas é o que falei numa postagem anterior... Para isso, é necessária EMPATIA.

Algumas pessoas podem afirmar "ah! Mas eu sou professor de academia/ nutricista/ endocrinologista/ etc! Não sou psicólogo!" Bom... Supondo que você é uma pessoa que realmente se interessa em resolver os problemas de seus clientes e que você quer garantir o retorno/fidelidade deles, tratá-los bem e sem preconceitos é uma forma muito mais inteligente de garantir isso. É de se esperar que um psicólogo tenha mais empatia pelos seus pacientes, mas a empatia não é uma qualidade exclusiva dos psicólogos. Qualquer pessoa pode e PRECISA desenvolver.


Resumindo, é isso, galera: aceitem quem está nesse estado físico e quem se sente bem assim e se vocês querem mesmo ajudar quem está acima do peso e não se sente bem, ajude com INCENTIVOS. Não com humilhações.

Muitas vezes, os pesos dos comentários são muito maiores do que os pesos que os(as) gordos(as) carregam no corpo, porque as falácias negativas e depreciativas assim o fazem... Vocês sabiam que tem gente que pensa em se matar porque ouve muitas reclamações dos outros com o corpo?

Vejam as seguintes notícias:

Portanto, queridos amigos, não sejam parte do problema. Sejam parte da solução.

E como diz uma frase do dojo-kun (lema do karate), "respeito acima de tudo".


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