Lord I want to be a Christian

sábado, 15 de dezembro de 2018


Mais uma brincadeira despretensiosa, onde canto um trecho de alguma peça de coral e canto todas as vozes só pra sentir a harmonia e, simplesmente, brincar.

Infelizmente, essa música, em especial, é um Negro Spiritual e como muitas peças desse gênero, foram escritas por negros em muito sofrimento e, no caso dessa música, em processo de evangelização (ou imposição religiosa, né?), durante a época da escravidão só que, estamos falando da escravidão negra que aconteceu nos Estados Unidos.



Essa música é de uma beleza e de uma tristeza grande e que me tocaram muito, quando estava aprendendo a cantar em coro.

No caso, essa música é para coro misto (soprano, contralto, tenor e baixo), mas como minha voz no tenor e no baixo é uma porqueira, por motivos óbvios, transpus tudo uma oitava acima e transformei num coro feminino. Não tive pretensão nenhuma ao fazer isso. Somente quis brincar e tornar as coisas mais fáceis e confortáveis para mim.

Espero que gostem de mais uma dessas brincadeirinhas bobas que faço para me distrair e me alimentar... Sentir que estou criando algo e fazendo arte, pois assim, sinto que minha vida tem mais valor e mais significado do que algumas vezes, quando passo um longo tempo sem produzir/criar/fazer arte.

Você está disposto a pagar o preço por fazer o que ama?

domingo, 2 de dezembro de 2018


Mentiram pra gente! Não, nós não podemos ser tudo aquilo que desejamos ser. Ou melhor: até podemos, se estivermos dispostos a pagar o preço dessa decisão.

Vivemos num país (e num mundo) onde a aparência é mais importante - é melhor você parecer bem do que você estar bem de fato. É melhor vc ter um carrão, dividido em 36x para parecer alguém mais high society do que vc ter um carrinho mais popular e mais humilde e que tem o mesmo propósito de um carrão: transportar você para os cantos.

E nesse mundo de aparências, as pessoas não estão interessadas em saber como você realmente está... Se a profissão que você escolheu para si o(a) deixa feliz... Querem ver suas fotos estampando um sorrido de felicidade no Facebook, Insta, Twitter, entre outras redes sociais, que nem sempre mostram o que você, de fato, É. Registram um momento e mesmo alguns momentos registrados podem não corresponder com a realidade.

Lembro que muito compartilham um vídeo do vocalista do Linkin' Park, quando ele estava às gargalhadas e horas depois, ele se matou. Não que eu seja uma expert em microexpressões faciais (mas me interesso pelo assunto), mas quando vejo esse vídeo dele, me pergunto "gente, é sério que ninguém está vendo a cara de dor e sofrimento que este homem está fazendo?"

Ele tinha depressão e é incrível como o sorriso é uma grande máscara para nossos sentimentos e tem como diferenciar um sorriso verdadeiro de um falso. As pessoas se deixam enganar facilmente pelo riso/sorriso, mas se, nesse vídeo, cobrirem a boca dele com o dedo e reparassem no olhar dele, veriam que aquele olhar não é de uma pessoa feliz e sim, de uma pessoa profundamente triste e angustiada.

Reparem nos olhos e o formato em que as sobrancelhas se encontram. Tapem a boca dele com o dedo e "voilà"! Expressão de dor e tristeza. Não é expressão de alegria.

Agora, olhem essa foto em que ele está com uma expressão mais neutra. Percebam como as sobrancelhas dele estão arqueadas com essa expressão neutra e se quiserem, procurem fotos desse cantor (Chester Bennington) e reparem como ficam as sobrancelhas dele quando ele sorri de verdade. Percebem a TOTAL diferença de quando ele está feliz mesmo e quando ele não está?


Então, num mundo de aparências, o PARECER é mais importante que o SER.

Quando você demonstra o que é e assume as suas escolhas, você está sendo uma verdadeira afronta à humanidade como um todo! Por isso que as bichas, quanto mais afeminadas e assumidas, mais elas incomodam. Por isso que gordos(as), quando se assumem e são felizes com os corpos que têm, usando roupas "que só serve pra quem é magro(a)", incomodam bastante. Por isso que artistas, em geral, incomodam demais.

Nesse mundo tosco de aparências, o problema não é você ser gay. É você se assumir gay e quanto mais afeminado você for, mais a sociedade vai te desprezar. Então, ser gay, se casar com uma mulher, ter filhos com ela e, nas sombras, ficar com outros homens, não parece ser um problema, porque você não está mostrando nada. Você está mantendo a aparência heteronormativa e nesse mundo, isso é ótimo.


No meu caso, o problema não é que eu seja artista e sim, que eu trate isso como uma profissão e me assuma artista. Que eu queira receber dinheiro pelo trabalho que eu faço... Que eu não queira tratar a arte apenas como um hobby ou como algo "pra me divertir, quando não tenho nada melhor pra fazer"...

Esse é o problema, pois isso incomoda porque "é coisa de vagabundo". "É coisa sem futuro". E até no próprio dicionário, quando fui ler o significado de palavras óbvias para encontrar outros significados e até ressignificar essas palavras, procurei o que era a palavra "amor" e dentro dessa palavra, existiam várias expressões. Uma delas é "por amor à arte", ou seja, "fazer as coisas de graça ou desinteressadamente". Nem a própria língua respeita a nossa profissão.


"Vai ter concurso da Caixa Econômica". E eu com isso? "Vai ter concurso dos Correios". Oi? "Vai ter concurso do Ministério da Justiça" E o que isso tem a ver com a profissão que eu escolhi? Com o curso no qual me formei?

Sim... Compreendo que num mundo de aparências, não existem muitas opções para a gente. Não existe nem a dignidade de algumas pessoas em serem claras e dizem o quanto vão pagar pelo nosso trabalho. Muitas gostam de enrolar e, no último minuto, dizer "ai! Não tive tempo... Não consegui angariar recursos o suficiente... Não tenho o dinheiro que prometi, mas tenho esses R$ 50,00. Tá aqui, ó". E não é a primeira vez que eu vejo esse filme. Já vi outras vezes e, infelizmente, é algo muito comum para os músicos... Algumas pessoas que fazem essas propostas aos artistas e até inscrevem projetos em editais, nunca têm dinheiro pra pagar o artista, mas vá lá olhar quanto ela está recebendo. Com certeza, não é só R$ 50,00!

Olha a mentiraaaaaa! Pague meu aqué!!!


O que acho mais hipócrita é quando o povo reclama do seu governo e age de maneira idêntica! Em proporções menores, mas a desonestidade é IDÊNTICA! E ainda reclamam quando não se sentem bem governados e representados e o nosso governo é apenas o reflexo da nossa sociedade, tal qual ela é: uma sociedade de aparências, com muita sujeira por baixo dos panos.

Certa vez, fui cantar num casamento com um grupo pouco conhecido e, para mim, ficou clara a frustração daqueles músicos! Um deles, que estava dirigindo, disse que trabalhava com informática e abandonou para fazer música, que é o que ele ama, uma história semelhante à minha e ele estava arrependido de ter feito essa escolha.

Eu me espantei em ouvir aquilo e estava absolutamente abismada ao ouvir uma moça... Uma das instrumentistas, ainda neste carro, que disse que estava cansada dessa vida e queria se casar para ser sustentada pelo marido. Não há nada de errado com isso, mas confiar sua vida a alguém que pode te trair e "te deixar sem nada" é algo muito surreal para mim, mas era o cansaço de trabalhar, ganhar pouco, ser desvalorizado e viver nessa vida tão cheia de incertezas, que é a vida do artista.


Nessas horas, me pergunto: "Meu Deus! Será que eu errei ao escolher a música e, além da música, o teatro? Eu estou errada em me arriscar e fazer o que eu amo? Pq a sociedade faz isso parecer um crime hediondo? Algo que eu escolhi porque é algo que eu gosto de fazer, posso fazer bem-feito, é o que eu amo, eu estudei e ralei MUITO para isso e ainda sou taxada de vagabunda? De 'cigarra' e até mesmo, pela minha PRÓPRIA FAMÍLIA?!?!"

É lógico que eu compreendo a frustração desses profissionais! Mas, sinceramente, eu não sei se iria preferir outra coisa... Não sei se iria aguentar "estudar Medicina ou Direito ou Engenharia, pq é o que dá dinheiro" se não são coisas que gosto muito de fazer e ser mais uma profissional meia-boca, que só visa o dinheiro e não quer fazer um bom trabalho.

Outra vez, lembro que estava num grupo de WhatsApp em que li a notícia de que uma moça, que estudava na escola que eu estudava, se suicidou. Ela tinha a mesma idade que eu (ou um ano mais velha), era linda, tinha um marido lindo, duas filhas lindas e era médica e acho que o marido dela também era médico ou era concursado. Aparentemente, uma vida perfeita, mas tinha depressão e morreu de overdose. "As aparências enganam" e MUITO!

Quantos e quantos médicos, advogados e engenheiros vcs não conhecem que fazem um péssimo trabalho? Que não sabem, nem sequer, lidar com as pessoas pq se sentem muito superiores e não sabem que atendimento é TUDO no mercado de trabalho? Estão aí os casos de violência obstétrica para confirmar isso... Advogados charlatões... Engenheiros que fazem um projeto péssimo de planta (no caso de um engenheiro civil) e são desonestos e enrolam quando um condômino vai questionar o projeto realizado (e sim. Eu conheço um caso assim)...


Mas não... - na sociedade de aparências, o que mais importa é que vc está de jaleco e isso é chique. Chique tmb é o salário no final do mês, que não vai mudar, mesmo que seu serviço seja péssimo.

Não é aos advogados, engenheiros e médicos que vc pede pra "vir aqui mostrar seu trabalho" para, nas próximas vezes, vc ganhar reconhecimento e te pagarem pelo que vc estudou. Se isso fosse proposto a eles, eles ririam na sua cara e, muito provavelmente, diriam "não", mas o artista diz "sim" pq pra ele, não tem muitas opções... Não tem muitas oportunidades assim, especialmente se esse artista não vem de uma família rica... Não tem, sequer, o reconhecimento de que aquela pessoa que está "mostrando o seu trabalho" é uma lutadora, que está batalhando pelo seu sustento e, assim como todo e qualquer profissional, MERECE ser pago ou, pelo menos, tratada da forma em que é: um profissional. Um(a) artista! Não um vagabundo!

Os verdadeiros vagabundos estão governando o nosso país, roubando o NOSSO dinheiro, não fazem NADA e tmb são os filhinhos de papai que não estudam, nem trabalham e só vivem em farras e baladas, sustentados pelos pais. Não é o artista que está "lutando para ser alguém".


Esse é o mundo como ele é e o problema nem é quando dizem "venha aqui mostrar seu trabalho". Dá para perceber quando alguém faz isso de coração e para nos ajudar e somos gratos(as) por isso. O problema não é esse. O problema é quando dizem que haverá cachê, mas não acertam o cachê contigo e esperam que vc vá trabalhar, sem você nem ter a certeza do quanto vc receberá ou, sequer, se você vai receber ou não, ou se acertam contigo um valor e na hora, vêm com desculpa de "ai, não deu, mas toma isso aqui" e te dão outro, geralmente, inferior ao que foi combinado. Nenhuma outra profissão aceitaria uma coisa dessas!!! NENHUMA!!!

E o mais absurdo: quando reclamam para você que "vc só faz as coisas pelo dinheiro". Mas se é o meu trabalho, não é justo que eu queira receber por isso? Ainda mais num país onde as oportunidades para o artista ganhar dinheiro são poucas? Eu acho justo! Eu estudei para isso, caramba! Se eu for fazer tudo de graça sempre, como é que eu vou me sustentar? Ninguém pensa nisso e nessas horas, exigem que artistas e professores façam as coisas "por amor à arte", mas quero ver cobrarem esse amor aos políticos, advogados, médicos e engenheiros. Eu DUVIDO que esses profissionais venham "mostrar seu trabalho" e que faça isso apenas pelo amor, sem cobrar nada. Se houver, são casos raríssimos e que contam-se nos dedos.

Existe o amor pelo o que fazemos, que não pode faltar ao artistas, mas tmb existe o SPC e o SERASA se vc não pagar suas contas. Eles não vão querer saber se você foi enganado por alguém que disse que ia te pagar e não pagou pq hoje em dia, está tudo sistematizado. Passou do prazo, é multa por cima de multa e ai de você se não pagar.


O mais absurdo é que quando as pessoas querem gastar dinheiro, geralmente, querem comprar algo relacionado à arte: roupas bonitas (estilistas)... Quadros (artistas plásticos)... Jogos de vídeo game/PC (designers gráficos e todo um arsenal de artistas)... Shows (músicos)... Filmes (atores/atrizes e bailarinos)... Querem gastar dinheiro com coisas que "os vagabundos fazem" e não com papel pra desenhar mais plantas nas horas vagas, pq é divertido... Ou com o transporte de pacientes, pq é hobby... Ou um processo longo pra ler pq relaxa... Só "coisa de vagabundo".

Talvez "o erro" seja ser brasileiro(a), pois não valorizamos nada do que vem daqui. Ator/atriz americano(a)? É chiquérrimo! Ator/atriz brasileiro(a)? Vagabundo(a). Cantoras americanas? Divas e maravilhosas! Cantoras brasileiras? Putas. Bailarinos(as) europeus/européias? O supra-sumo do "chiquetê"! Bailarinos(as) brasileiros(as)? Um bando de desocupados. Desenhistas japoneses(as)? Nossa! Incríveis! Desenhistas brasileiros(as)? Um bando de maconheiro.


Até quando vamos viver nessa "Síndrome do Vira-lata" que só faz mal para nós mesmos, tanto enquanto artistas, quanto para quem consome arte? A gente não apenas desvaloriza os artistas daqui, como também nos desvalorizamos como povo, pois a arte de um povo o define e o engrandece. Os europeus e americanos investem pesado em arte pq um povo educado valoriza sua arte e, ainda por cima, atrai muitas pessoas, logo, mais dinheiro. Animações e desenhos da Disney... Filmes... Jogos... Divas pop... Tem como os EUA ser um país pobre, quando sua cultura está sendo tão bem difundida? Agora, imagine os EUA sem nada disso. O prestígio americano iria cair drasticamente e talvez, nem manteria mais o seu império sobre o mundo!



Enfim... Mesmo depois de tudo, continuo sendo uma sonhadora, que decidiu pagar esse preço caro e difícil de fazer o que ama e sonho com o dia em que nós, artistas brasileiros(as) sejamos, finalmente, reconhecidos pela importância que temos, nem que seja, minimamente, para trazer alívio e alegria para um país tão doente como o nosso, mesmo tendo consciência de que somos muito mais do que essa definição de "meros bobos da corte".

Desabafo Nº 13

domingo, 28 de outubro de 2018

Ilustração: ParadoxArt

Tenho uma estranha relação com a morte...

Na adolescência, eu ansiava por ela...

Queria encontra-la, abraça-la e beijá-la para não sofrer mais...

No fundo, eu não queria morrer, mas queria que meu sofrimento se extinguisse, tal qual a chama de uma vela de aniversário...

Às vezes, é preciso morrer... Não a morte física e o suicídio, mas morte também significa renascimento... É o passado se despedindo e o futuro acenando e aos poucos, entrando em sua vida, embrulhando no presente... É importante saber qual parte do passado merece ser mantida na vitrine das doces lembranças e qual parte do passado deve ir embora ou estar morta e sepultada, também no túmulo das recordações, para ver o quanto você mudou... O quanto te transformaste...


Felizmente, houveram anjos em minha vida e ao me ouvirem, eu me sentia acariciada e beijada, mas pela vida... E começava a ver os sofrimentos tais como eles são: situações passageiras.

Mas nem sempre, a vida nos faz carinho.

A vida pode ser cruel e pode te bater e rasgar o seu peito... Destruir seu coração em mil pedacinhos... Em farelos e frangalhos... Pode te torturar com o silêncio ou corroer sua alma com a dúvida e a indiferença...

Sim, amigos(as)... A vida nem sempre é boa... E é por isso que, algumas vezes, pensamos em nos livrar dela...

É natural nos livrarmos do que nos faz mal, mas, dependendo da situação, tentar mudar a perspectiva e aprender com o que ou quem nos fez mal é um grande sinal de maturidade e que a gente só enxerga o nosso valor e nossa força quanto nos deparamos com um momento de enfrentamento.

O que seria do(a) guerreiro(a) se ele(a) não lutasse?

Sua função não teria sentido algum.


E a vida é isso: uma luta, onde você apanha feio e umas vezes, você ganha e em outras, você e perde, mas eu gosto de um pensamento, cujo autor não me recordo, que diz “a gente ganha de qualquer jeito - vitória ou aprendizado/experiência”.

A vida é essa constante luta e esse processo de treinamento interior, onde você amadurece e vai se preparando para o próximo embate.

É se conhecer... Ver suas melhores qualidades e ver o que você precisa melhorar e trabalhar em cima disso... Se contentar com as coisas boas que você tem... E treinar sempre... Buscar sempre ser um ser humano... Um(a) lutador(a) melhor, sem perder a ternura e o amor de ajudar as pessoas próximas a se levantarem e seguirem em frente, lutando suas próprias lutas. De repente, vai que alguma pancada que você tomou (ou um golpe que você desferiu) ensine a essa pessoa a como se defender ou se esquivar de um novo ataque?

As vitórias dos outros são também vitórias nossas e como é gostoso poder ajudar!


É para isso que estamos aqui – para nos ajudar! E quer saber? Todos nós estamos sofrendo. Em maior ou menor grau, estamos sofrendo com alguma coisa e não há nada de errado em expor a sua fragilidade ao mundo.

Se você sofre, compartilhe sua dor com outra pessoa que sofre e a troca de sentimentos e revelações acalentará o seu dolorido coração.

Veja meus hematomas... Meus cortes... Minhas cicatrizes... O sangue que escorre de minhas feridas e que está embutido em cada palavra que escrevo, como se fosse tinta... Ouça minha respiração profunda e rápida ao sofrer essas bordoadas, na tentativa de respirar um pouco e recuperar o fôlego para seguir em frente... O suor brota em minha face, devido a árdua batalha... E tantas quedas e passos trôpegos, com pernas bambas e cansadas de tanto lutar...


Sim... As pancadas da vida doem... Machucam... E vez ou outra, me pego pensando, novamente, como pensava quando era adolescente... E penso em dizer à vida: “saia daqui e me deixe em paz! Cansei de você! Não quero mais lutar!” e tal como uma professora carrasca, ela não para, pois ela precisa me/te ensinar algumas coisas.

Ela é professora e escola, então, tem o momento do intervalo, onde podemos descansar, relaxar, estar com os amigos, brincar... Mas mesmo a mais feliz das criaturas, que vive em estado de paz abundante, tem alguma coisa pelo qual lutar, senão, a vida em si não teria sentido, a não ser que essa pessoa fosse um ser extremamente iluminado, um(a) mestre(a) que veio aqui só com a missão te ensinar, porque a ele(a), não precisa aprender nada e por mais que eu conheça pessoas super-iluminadas e evoluídas, acho pouco provável que venhamos ao mundo sem nada a aprender e/ou acrescentar.

Portanto, guerreiro(a), LEVANTE-SE!


Levante-se porque a luta não terminou e se você encerrar a luta antes, jamais poderá ver a pessoa que você se tornará e jamais poderá ver a coleção de troféus em sua estante, de cada vitória conquistada, mesmo que seja uma vitória pequena, como a simples coragem de se levantar da cama e enfrentar a vida, tal como ela é, pois muitas vezes, nem sequer termos força para fazer isso... E se você conseguiu, coloque mais um troféu em seu armário e uma medalha em seu peito. Se não conseguiu, tente de novo na próxima. Mesmo sendo uma professora carrasca, ela sempre te dá uma chance. Sempre!

Deu certo? Ótimo. Não deu? Muda o rumo... Muda a estratégia... Se possível, muda o objetivo, mas LEVANTE-SE e LUTE porque ninguém fará isso por você! O máximo que podemos fazer é nos dar as mãos, ajudarmos a levantar e te dar umas dicas de golpes, defesas ou esquivas e depois, quem segue lutando é sempre e somente você.

Portanto, vamos nos dar as mãos e lutar COM a vida... Lutar PELA vida... E termos a estranha e gostosa sensação de poder também trocar carinhos, beijos, gozos e afagos com ela.


(Daliana Medeiros Cavalcanti - 28/10/2018)

Carta aos artistas: olhar, escutar e despir-se

quinta-feira, 25 de outubro de 2018


Boa tarde! Como estás?

Pode parecer estranho começar com uma pergunta que alguns irão responder e outros não, por estarem se relacionando com um papel ou com uma página virtual, mas quero lembrar que por trás das palavras, existe uma pessoa, que é esta que está digitando esse texto-diálogo com vocês e por isso, peço licença para me comunicar COM você: como você está?

No momento, estou atravessada por uma série de questões. São questões políticas, pessoais, filosóficas e artístico-profissionais, uma vez que escolhi a arte como profissão.

Este ano, entrei no curso de Mestrado em Artes Cênicas e, portanto, falo na condição de uma pessoa das artes cênicas, que está experimentando esse tipo de arte e, ao mesmo tempo, de alguém que esteve muito tempo fora, até encontrar este meio... Este percurso...

Neste sentido, cada vez mais, me enxergo como não apenas uma pessoa da música e da poesia, mas alguém do teatro. Ainda não me vejo como atriz, pois tenho muito o que crescer e aprender nessas relações com meu próprio corpo, que têm se desenrolado lenta e gradualmente e preciso de mais segurança para entrar em cena, expor o meu corpo e dizer com segurança e sem receios “sim. Eu SOU ATRIZ também”.

E por falar em corpo, não consigo deixar de admirar a relação que os atores têm com os corpos deles... Muitos desses alunos e professores estão conectados com os próprios corpos e são artistas que colocam o corpo a serviço da arte, a ponto de se despirem e mostra-lo tal como ele é: peitos, barriga, sexo, lugares com e sem pelo, cicatrizes, estrias, celulites, manchas, sinais, marcas de bronze... Corpos magros, “meio-termo”, gordos ou musculosos, de vários tamanhos e formas... Corpos que física ou abstratamente, estão nus e à disposição do público.

É fascinante essa relação com o corpo-mente que eles possuem e o ato de se desnudar requer muita coragem. Se despir para alguém é falar... É comunicar alguma coisa e escutar as reações do outro para com este corpo nu, sejam elas quais forem. As reações à nudez também são escutas do outro e dependendo da reação, comunicam pensamentos sobre aquele despir. E apesar de admirar a coragem desses artistas, confesso não conseguir ter a coragem necessária de fazer o mesmo fisicamente, mas me desnudo de outras formas.

Esses dias, tive muito contato com performances. Elas têm me provocado bastante e é impressionante a disposição do corpo em muitas dessas performances. Não deixo de admirar a coragem dessas pessoas e de admirar as mensagens que elas comunicam com seus corpos e sua criatividade artística e não deixo de lamentar as mentes das pessoas que repudiam essas manifestações, em pleno século XXI, da era chamada de “pós-modernidade”, mas com pensamentos medievais, que ainda prevalecem em nossa sociedade.


Há dias atrás, houve outra performance onde corpos semi-nus, vestindo apenas suas roupas íntimas estavam pintados de branco, com várias suásticas ao redor do corpo, na cor preta. A performance consistia em outras pessoas lavarem o fascismo desses corpos com água e ervas cheirosas, como alecrim e alfazema. Tive a alegria e orgulho de participar dessa performance, lavando um desses corpos: o de uma grande e querida amiga.

E hoje, após a aula de Canto para o Ator I, um colega foi fazer uma performance contra um certo candidato à presidência da República, com pensamentos fascistas e para isso, ele molhou o chão e colocou as tintas verde e amarela, junto com fitas adesivas que perguntavam “você apoiou?” e se debruçou sobre aquelas águas coloridas, que constantemente secavam devido ao enorme calor, completamente nu. Em suas costas, havia escrita a palavra “coitadismo” e havia um pedaço de cabo de vassoura, também pintado de verde e amarelo, entre suas pernas e vários pedaços de pedras ao redor dele.

Ao vê-lo em cena e ao observar a própria maneira no qual eu olhava para aquele corpo nu, me alegrei por perceber que havia aprendido algumas das mais importantes lições que o teatro havia me ensinado: a olhar para o outro sem julgamento. É difícil fazer isso quando se tem uma mente tão inquieta, como a minha, mas me coloquei em estado contemplativo para tentar imaginar o que todo aquele conjunto de coisas estava tentando me comunicar e de que maneira aquela performance me atravessava.

Era curioso e engraçado perceber, claramente, a diferença entre quem era das artes cênicas e quem não era. Os atores, assim como eu, olhavam sem pudor, rodeavam aquele corpo prostrado e refletiam sobre aquela performance. As pessoas que não eram das artes cênicas não sabiam lidar com aquilo e ou olhavam com nojo, ou olhavam com vontade de rir ou, simplesmente, viravam o rosto porque queriam esconder sua vontade de olhar aquele corpo masculino, musculoso, nu e belo.

Mesmo atribuindo essas características físicas ao corpo do meu colega, não havia erotismo ali e é incrível a capacidade que algumas pessoas têm de não conseguirem separar uma coisa da outra e sempre atribuírem essas performances à imoralidade... Ao desprezível... Ao abominável... Ao pecado...


Sei que hoje, quando passo pelos lugares onde essas performances aconteceram, não vejo apenas manchas e tintas e sim, resíduos de corpos em estado líquido, que protestaram e se posicionaram no mundo, de maneira artística, e que marcavam o chão com o calor do furor que assolava suas almas descontentes e questionadoras. Aqueles resquícios de corpos que coloriam o chão era o passado se fazendo presente. Um registro imagético de manifestações legítimas, feitas por pessoas apaixonadas pela arte e pela vida, inclusive, daquelas que pensam que isso não é arte.

Nesse aspecto, é interessante evocar os pensamentos lógicos e exatos de minha primeira formação, em Bacharelado em Sistemas de Informação, que é também parte de mim e de minha história, enquanto também amante dos números e dos cálculos: é apenas um corpo nu. Só. Sem mais, nem menos e um corpo nu não deveria ser uma ameaça. Qualquer coisa que seja vista para além disso é interpretação pessoal e que tem a ver com o olhar de quem observa e suas respectivas individualidades e crenças. Se alguém se despe e você se incomoda com isso, talvez o problema não esteja no corpo nu do outro e sim, no seu corpo vestido e na sua mente revestida.

Mais uma vez, quero fazer associações em um âmbito metafórico. Se alguém se abre para você, é importante que você se coloque nesse lugar de receptividade e abertura. Essa nudez pode ser um jogo teatral... Ou um recital... Ou um amigo te contando algum problema... Se despindo para você das roupas que o cobrem e o sufocam... E nosso dever como artistas e humanos é acolher e abraçar aquela nudez, sem julgamentos. Escutar...

E então, me deparo com outra importantíssima lição, tanto do teatro, quanto da música: escutar. Escutar o outro nem sempre é fácil, ainda mais numa época em que todos querem falar, isolados em suas redes sociais, mas ninguém está receptivo ou pronto para ouvir. A não escuta hoje é tão gritante que me deparo com absurdos. Amigos que sofrem e se encontram e então, o amigo A fala para o B “terminei com meu namorado e estou sofrendo” e eis que B responde “e eu que, quando chegar em casa, tenho uma pilha de louça para lavar, porque meu marido não me ajuda em nada e tenho um filho que não obedece, desarruma tudo e só falta destruir a casa?” As pessoas não se escutam mais e associando a nudez, como estava fazendo, isso é tão surreal quanto se as pessoas estivessem nuas, uma de frente para a outra e a pessoa A dissesse “não gosto do meu umbigo. Eu o acho muito grande” e a B dissesse “e o meu, que tá todo desajeitado porque eu coloquei um piercing e ainda não cicatrizou?” Cada um olhando o próprio umbigo, querendo falar sobre ele e não estando receptivo para olhar o umbigo do outro e ouvir as inquietações sobre essa parte do corpo alheio.


Curioso perceber somente agora que após treze anos cantando no Grupo de Ópera Canto Dell’Arte, quatro anos no Curso Técnico de Música, cinco anos no Bacharelado em Música e caminhando para dois anos e meio em teatro, essas artes (música e teatro) sempre me colocam num lugar de muita fala, mas muita escuta também. Confesso que já teci julgamentos sobre algumas pessoas, mas quando elas conversavam comigo... Quando elas se despiam para mim, eu compreendia o porquê de muitas coisas e ao contemplar a nudez delas, pude abraça-las e ajudar da melhor forma possível. Não ouvi-las, seria quase como se eu dissesse “vista-se, por favor, e vá embora daqui” e eu jamais faria isso com pessoas que precisam desabafar, ainda mais quando eu posso emprestar meus ouvidos e olhos a elas...

Meu canto é um desabafo... Uma nudez de alma onde exponho minhas cicatrizes e saio vitoriosa por enfrentar minha timidez. Talvez seja por isso que minha voz seja tão grande – as cicatrizes são muitas e a mudez também, portanto, se você ouve o meu cantar, te agradeço pela contemplação do meu despir e por emprestar seus ouvidos, momentaneamente, para abraçar este corpo-voz, com todas as suas belezas e defeitos que ele possui, mas que é o meu corpo e é o que posso oferecer a ti.

Portanto, caro leitor, a fins de agradecimento e reciprocidade, volto a perguntar: como vai você? Por favor, deixe-me abraça-lo nu... Despido de qualquer veste que esconde sua alma e encobre a centelha de vida que quer reluzir para fora de seu corpo e ilumina todo aquele que se dispõe a te contemplar, em toda a sua verdade, beleza e fragilidade, emprestando os bens mais preciosos que alguém pode oferecer para outro alguém que necessita desse desabafo: o tempo e a atenção.

Escutar é amar. Exercer a escuta é qualidade de quem ama e o amor é o sentimento que fala com os olhos da alma, toca com o ar e escuta com o coração.


(Daliana Medeiros Cavalcanti - 26/10/2018)

Momentos

sábado, 6 de outubro de 2018


Momentos...

O quanto você pagaria por um momento? O que você daria por um momento?

Gastamos dinheiro com shows... Com viagens... Com peças... Com jogos... Com filmes ou séries... Com cerimônias de casamento... Tantas coisas que podemos comprar e sabemos que aquilo terá um fim. Nada mais falo do que o óbvio quando digo que todo show, peça, filme, série e apresentações artísticas têm um fim. As viagens, geralmente, possuem um retorno (a não ser que seja para morar)... Cerimônias de casamento também terminam (e alguns casamentos também)... Os jogos também têm um fim (a não ser que você esteja jogando Munchkin. As partidas desse jogo são intermináveis! Hehe!)... Então, se sabemos que não vai durar, por que gastamos nosso dinheiro com isso?


Muita gente negligencia a arte por ela ser inútil, mas no final das contas, quando as pessoas têm um tempo livre e querem descansar, o médico não faz uma cirurgia para desopilar, o advogado não vai ler uma lei e procurar brechas nela para relaxar, o engenheiro não fica calculando para passar o tempo e assim por diante... Os momentos que as pessoas buscam está na inutilidade. Naquele dia em que você dançou num show de um musicista ou uma banda que você gosta... Aquele momento de descontração com os amigos, seja jogando, bebendo ou assistindo um filme... Ou ainda aquele olhar que você trocou com a pessoa que você ama e não precisou falar nada... Não precisou fazer absolutamente nada, mas aquilo foi impagável e se fosse/for possível, você repetiria ou reviveria aquela memória.

Não negligencio o tempo em que somos úteis de forma alguma. Sentir-se útil é importante e parece uma ironia do destino a vida de alguém quando se aposenta: a pessoa possui mais tempo livre para viver momentos inúteis, mas tem saudade de ser útil novamente e de trabalhar.


Mas o que é o momento, senão uma fresta no tempo...? Ou o tempo em si...? Ou algo mais duradouro...? Seria o sucesso vindouro ou o fugidio instante? Palavra bifurcada que pode ser marcante ou irrelevante, a depender do gatilho emocional disparado no momento.
E que graça teria a vida se as pessoas fossem iguais e sentissem o momento por igual? É interessante perceber que, algumas vezes, o momento de alegria que uma pessoa passa pode não ser o momento de alegria de outra pessoa. Essa pluralidade individual é fascinante, pois às vezes, as pessoas passam pela mesma situação, no mesmo instante de tempo, mas por serem diferentes, elas sentem diferente e logo, vivem momentos diferentes. Uma brincadeira inesperada pode ser uma carícia no coração de uma pessoa, que se derrama em risadas ou pode ser a carranca de outra, que pode não ter gostado e que endureceu seus escudos interiores, aumentando a guarda e o estresse...

Pode ser um trauma para alguns e uma doce saudade para outros...

E se pudéssemos dividir a vida em momentos, qual seria o melhor deles? A infância? A adolescência? A fase adulta? A “terceira idade”? E que momento pode ser esse, se você fosse medir? Em anos? Meses? Semanas? Dias? Horas? Que horas são agora?

Contamos os minutos e os segundos quando geramos expectativas, mas queremos que o tempo pare quando desfrutamos aquele momento...

Nos deliciamos em nossas memórias, nos assombramos com períodos tenebrosos que ameaçam retornar, tememos o amanhã, sempre uma incógnita inesperada em nossas vidas, que podem se encerrar amanhã, com um breve beijo da morte...


Morte... A única certeza que temos, mas ninguém sabe o momento...

A vida nos escorre pelos dedos e pelos nossos olhos, umedecendo o nosso corpo, que muda e se molda a cada dia, conforme o tempo e as experiências que nos atravessam e talvez, tenhamos uma sabedoria subconsciente da nossa não permanência aqui na Terra e por isso, buscamos mais momentos fugazes e inúteis que nos tragam alegria, para que possamos, um dia, olhar para trás e lembrar das besteiras... Dos absurdos... Do esdrúxulo, do tosco e do ridículo que tatuaram um sorriso em nossos rostos.

As nossas “tatuagens do tempo” (as odiadas rugas, manchas na pele, cicatrizes, etc)... Marcas que contam nossa história e revelam muitos dos momentos que passamos. Momentos de tristeza... De superação... De descuido... De doença... São a nossa biografia impressa na pele... O mapa e atlas da nossa história, memória e da nossa personalidade.


Em qual momento você “esteve com os nervos à flor da pele”? Ou “sentiu na pele” a dor de outro...? Quais os momentos que você tem consigo mesmo(a)? O seu tempo é seu?

Você gostaria de viver num momento diferente do que vive agora? Por quê? Por que é tão difícil viver o agora e mais fácil reviver o outrora ou imaginar o porvir?

Criamos expectativas e vivemos momentos em nossos pensamentos que às vezes se concretizam e às vezes, não. Essa esperança é o que nos mantém em movimento, sempre em busca da felicidade, da sabedoria... Em excesso, pode virar ansiedade, mas quando essas expectativas estão equilibradas e fazem com que a gente se mexa, temos um motivo pela qual viver: a eterna jornada dos momentos que nos educam e nos definem.

“Existe momento para tudo na vida.”

“Hoje é o seu momento.”


(Daliana Medeiros Cavalcanti – 07/10/2018)

Planta Inacabada

quarta-feira, 26 de setembro de 2018


Novamente partida ao meio
Há uma dúvida que quero que desapareça
Dúvida esta que invadiu meu seio
E que surgiu, atormentando minha cabeça

Não sei o que faço
Nem que caminho devo seguir:
Se jogo tudo para o espaço
Ou se sigo em frente sem cair

Tenho duas paixões
E não sei qual devo escolher
Pois uma não quero perder
E fortes são nossas ligações

A paixão entre os números e os computadores
Ou a paixão entre a música e a arte
Meu coração sangra, se parte
Num grande show de horrores

Namoro o humano e o exato
Querendo ter, com eles, mais intimidade
E o pior e o mais chato
É que estou no último ano de faculdade...

Pretendo manter esse amor a três
Uma traição a que me permito
Pois há na lógica, um lado bonito
E há na beleza uma lógica, por sua vez.


(Daliana Medeiros Cavalcanti – 17/03/2004)

Crucifixus

sexta-feira, 7 de setembro de 2018


Culpas colossais
Invadem minh'alma
E roubam-me a calma
Que já não sinto mais...

Remorsos soturnos
Na vida interferem
E em meu seio desferem
Pesares noturnos...

Dor abissal
Tão forte e presente
Que marca minha lente
Com água e sal...

A vista embaça...
O olho mareja...
E não tem o que tanto deseja...
Pois a fé que tanto despeja
Está cada vez mais escassa...
Passado que não passa...

Confissões sufocadas
Querem ganhar som:
Ritmo, intensidade e tom
De palavras faladas...

Palavras emudecidas
Que almejam liberdade,
Perdão e saudade...
Jamais esquecidas...

E assim, carrego a cruz
Com todo o peso do antigo
Buscando, em um ombro amigo
Alcançar a mais plena luz...


(Daliana Medeiros Cavalcanti - 07/09/2018)

As Barbas Azuis

quarta-feira, 22 de agosto de 2018


Ele se move sorrateiro
Nas sombras de minha mente...
Meu voraz carcereiro
Do subconsciente...

Que engana e ilude
Minha cabeça de menina
Com promessas de virtude
Na aurora da campina,
Mas na menor inquietude,
Ao dobrar a esquina,
Ele muda de atitude...
À noite, na surdina...

De forma bruta e impiedosa
E sem que se desculpe
Me sinto horrorosa
E em meu peito se esculpe
A besta torturosa
Que me invade e me culpa...
Desfolhando minha rosa...

Noite e dia, dia e noite
É travado outro duelo
E há dias de amoite,
Quando a criança revelo
E há dias de afoite
Quando a guerreira ergue seu martelo

E nesse embate duro
Causado pela inocência
Luto para sair do escuro
Conectando com minha essência
Abrindo portas, derrubando muro
Para o despertar da consciência"


(Daliana Medeiros Cavalcanti - 20/08/2018)

Minha religião

quinta-feira, 16 de agosto de 2018


Que creio, senão no invisível,
E nos enigmas do subconsciente...?
No absurdo e no plausível...
No poder do sentimento e da mente...?

Que emano, senão o abstrato,
Com teor de energia tão concreto
Onde mistura-se a crença e o fato
E emerge em forma de afeto?

Que colho, senão o aplauso
À oração entoada em voz
Do canto, sagrado, em causo
Que ondula e se encontra na foz?

Que louvo, senão o humano,
O carnal, o vulgar e o divino,
O corpo sacro e profano,
Templo do desejo clandestino?

Que cultuo, senão a arte
E sua imensurável criação
De um mundo tão aparte,
Mas que parte do coração?

Que adoro, senão o sabor
Do intangível e do palpável
Doce sentimento de amor
Indescritível e inefável...?

E fica a pensar e intuir...
A refletir e a cantar...
Sempre buscando o devir...
Sempre a me doar...
Até o dia em que eu partir...
Até o último resquício do ar...
Quando a chama se extinguir...
Quando meu canto se calar...
Quando meu corpo se indefinir...
Quando minha alma virar mar...


(Daliana Medeiros Cavalcanti - 15/08/2018)

Pessoas com várias aptidões

domingo, 15 de julho de 2018


Nesses últimos dias, andei pensando sobre certos tipos de pessoa... Pessoas muito especiais e nas quais tenho o maior carinho: as pessoas com múltiplas aptidões.

Você já deve ter ouvido falar em pessoas que comentam "fulano não sabe o que quer da vida. Vive mudando de curso e nunca conclui nada. Só faz isso porque acha que vai ter mamãe e papai que vão sustentá-lo(a) o resto da vida".

De fato, há pessoas que são assim porque estão desinteressadas, mas nunca podemos generalizar. As pessoas com várias aptidões são facilmente confundidas com essas pessoas que são desinteressadas, mas o motivo que muita gente desconhece é justamente o contrário: elas são boas e se interessam por tantas coisas que é difícil para elas decidirem o que querem "fazer de suas vidas".

Nós sabemos que a vida é feita de escolhas e escolher é algo muito difícil para essas pessoas e o pior é que elas ouvem de várias pessoas, por exemplo: "Nossa! Você tem jeito para escrever! Deveria fazer jornalismo. Nossa! Você tem jeito com os números! Deveria ser engenheira! Nossa! Você fala muitas línguas. Já pensou em ser diplomata?" e isso confunde mais ainda a cabeça delas, que ficam sem saber por onde ir.


Sei que muita gente deve estar pensando: "E isso lá é sofrimento? Se eu fosse bom(a) em várias coisas assim, estaria feliz da vida. É frescura! Mimimi!", mas não é beeeem assim.

Como falei anteriormente, essas pessoas têm muita dificuldade em seguir um norte e são muito mal-interpretadas. Muitas delas são vistas como "ovelhas negras da família" por causa disso e são muito desprezadas e menosprezadas por muita gente. As pessoas, em geral, são rápidas em julgá-las e em colocar a tarja de "vagabundas" nelas.

Tive a alegria de conhecer algumas dessas pessoas e, sinceramente, sou muito feliz em conhecê-las! Elas são algumas das pessoas mais interessantes que já conheci, sem mentira nenhuma e as acho muito mais interessantes do que as pessoas que "arrotam sucesso" (sucesso esse que, algumas vezes, pode ser mentira) ou que querem passar essa ideia de sucesso para que você compre algum produto e que assim, você possa seguir aquele estilo de vida, como se aquilo fosse uma receita de bolo ou uma fórmula certa, absoluta e infalível para atingir a felicidade. Só o que tem na internet são cursos com esses "experts da alegria e do sucesso".


Escrevo esse texto para falar delas e para que elas saibam o quanto elas são pessoas fascinantes e super-inteligentes, com muito assunto, muito conhecimento e muitas experiências para contar. Se, ao menos, as pessoas não fossem tão bitoladas ao enxergar apenas "o caminho único do mercado e ascensão social", elas ficariam impressionadas em trocar ideias com essas pessoas também e o problema está justamente aí - muita gente tá tão obcecada com a ideia de conseguir um emprego que toda e qualquer coisa que você faça, que não tenha viés lucrativo é visto como algo sem-futuro e sem valor.

A questão é que conhecimento e dinheiro são poderes e essas pessoas de aptidões diversas até poderiam ganhar dinheiro com o tanto que sabem, mas algumas vezes, não sabem como ou até sabem, mas seguem sem rumo porque não sabem se estudam medicina ou se viram musicistas ou se tornam advogados...

O mais importante para essas pessoas é que elas tentem se encontrar nesse emaranhado de talentos que elas têm e tentem imaginar com o quê elas se sentem mais completas ou como elas se veem daqui a alguns anos. Talvez isso as ajude a se colocar nesse mundo tão dependente e submisso às finanças e que elas encontrem alegria nisso. Não é que elas não desenvolvam as outras atividades em que elas também tenham aptidões, mas que elas tentem separar qual atividade ela pode ver como emprego e trabalhar em cima disso e quais outras aptidões ela pode ver como hobby e exercê-las em suas horas vagas.


Nadar contra a correnteza é difícil e por isso, é complicado conseguir desenvolver e exercer todas essas aptidões num país como o nosso, mas essa visão única de mercado está mudando e vai mudar cada vez mais. O que algumas pessoas podem interpretar como "taí um candidato à vaga que não sabe o que quer da vida", outra interpretam como "taí uma pessoa com uma vida tão interessante que sabe fazer muitas coisas diferentes".

Eu mesma me vejo como uma dessas pessoas (e talvez seja por essa identificação que sinto uma sintonia muito grande com esses(as) amigos(as)): já me disseram que deveria ser jornalista por escrever bem, que deveria ser psicóloga, maestrina, roteirista, desenhista, escritora, professora de matemática, de inglês ou de canto, etc e até me interesso por muitas coisas e muitas áreas e passei um tempo na dúvida em relação ao que fazer, mas decidi abraçar a minha paixão e agarrá-la com unhas e dentes: ser cantora lírica.


Não foi fácil escolher, porque além de gostar de muitas coisas, a arte e o artista, como um todo, sofre muito preconceito e para alguém viver de arte requer muita coragem e muita garra, pois empregos para esse tipo de profissão não são muitos e nem sempre você é valorizado ou ganha bem, mas escolhi e estou enfrentando todas as consequências da minha escolha, com medo, mas feliz e não me imagino fazendo outra coisa. O resto é hobby ou complemento da minha felicidade.

Não que eu me ache "um exemplo de sucesso", mas sou exemplo de uma doida feliz. Hehe! Por isso, compartilhei um pouco da minha história.

Se você se identifica como esse tipo de pessoa, respire, pense nesse texto e no quanto você é incrível por ter talento para tanta coisa, reflita e construa ou invente o seu próprio caminho para a felicidade, seja ele qual for.

"Dies Irae" do Requiem de Mozart

segunda-feira, 4 de junho de 2018


Lá vou eu brincar de coralzinho de novo, mas, dessa vez, com o trechinho inicial do "Dies Irae", pq já basta eu ficar doida com a melodia da contralto e da soprano. Não preciso ficar doida de vez pra saber as melodias de tenor e baixo, né? Vou deixar pros maestros/regentes enlouquecerem com isso. Hehe!

Mais uma brincadeirinha que espero que vcs gostem ^^

"A Orquestra" - Mozart a 5 vozes

quinta-feira, 24 de maio de 2018


Eu brincando de coralzinho de novo. Foi uma das primeiras peças que aprendi a cantar quando entrei no Coral da FARN, o primeiro coral onde cantei.

Estou cantando todas as cinco vozes, inclusive, brincando de cantar a voz dos baixos e dos tenores. Hehe! Espero que gostem.

Crisálida

domingo, 13 de maio de 2018


Quem revive em memórias
Está mesmo revivendo?
Relembra-se as histórias
Ou as está remoendo?
São elas satisfatórias
Ou ainda está doendo?

Pergunto-me de novo e de novo...
Mas nenhuma resposta é o bastante...
Meu Deus do céu, que estorvo!
Não importa a vontade incessante
De mudar as questões que promovo
E de reviver o instante...

O instante eterno na mente
E findo na realidade...
Verdade do consciente
Que quer ser palpável verdade...
De trazer ao presente...
De matar a saudade...

Saudade de tudo o que era...
E que agora é passado...
Mas como se espera
A volta do que foi mudado?
Saudade é de quem esmera
Vivências e o ser amado...

E eu, mulher transformada
Converto lágrimas em poesia,
Querendo ser remodificada
Para viver o que vivi um dia...
Enquanto isso, sofro sempre calada...
Sempre amando em demasia...


(Daliana Medeiros Cavalcanti - 14/05/2018)

Arranjo de "Peneirei Fubá"

domingo, 8 de abril de 2018


Uma de minhas brincadeiras de fazer arranjo de coro feminino (esse, em especial, está a 3 vozes) de umas musiquinhas, de maneira bem despretensiosa, cantando de qualquer jeito mais uma vez, afinal, tudo isso é uma brincadeira apenas. Uma diversão.

Espero que gostem!

Proesia

sábado, 7 de abril de 2018


A paixão é o combustível da poesia.

Todo poeta que se preze tem que estar apaixonado por alguém ou por alguma coisa, nem que seja pela ideia de morte.

Se não estou apaixonada agora, qual o meu combustível?
O que me alimenta e me faz querer escrever?
Quem ou o que faz meu coração palpitar tanto a ponto de querer registrar, no papel, minhas angústias, desejos, dores, sonhos e suspiros em rimas limitadoras, mas que me libertam o coração?

A vida...? É de comer?

Se de paixões eu vivo
E, no entanto, nada sinto
Meu viver seria extinto
Pelo vazio afetivo?

Seria a vida a paixão
Restrita aos sujeitos
Sós e insatisfeitos
A perder a razão?

E a razão, o que é?
Será o limite do sentimento,
Imposto pelo pensamento
Ou a unidade da fé?

Fé em quê?
Ou em quem?
Tem que ter alguém?
Tem que ter um porquê?

Por que me divido
Se sou inteira?
E se incerteza é costumeira,
Por que duvido?

Vivo a falsa dicotomia
Prosa e poesia
Que se unem e se completam
Que conversam e afetam
A vida da artista
Que na arte da conquista
Falha e está inerte
Mas produz e se diverte
Enquanto seu coração se parte
Em fagulhas de arte

E continua sem resposta...
Talvez, o que ela gosta
Seja apenas questionar
Como viver ou como amar
Sem a existência de um semblante
De uma paixão ou um amante...
Uma razão para suas rimas!
Seus carinhos e suas estimas,
Que se voltam para quem sente
Com o coração e a mente,
A sua arte em texto e voz,
Numa paixão selada por nós...
No momento presente...


(Daliana Medeiros Cavalcanti – 08/04/2018)

Demonstrativo

sábado, 24 de março de 2018


Esse é o lamento
Da poetisa
Que de amores precisa
E não os têm...

Esse é o momento
Da lágrima que nasce
Sem máscara ou disfarse
E que se mantém...

Essa é a dor
Registrada em poesia
Em rimas e caligrafia
Sem figura ou imagem

Essa é a cor
De desbotada matiz
Onde não é possível ser feliz
Dada a presente paisagem...

E é como me sinto:
Solidão e só
Solidão e só...
Sem o vislumbre da sorte...

E é assim que me tinto:
Sofrimento e tristeza
Sem sentido e coesa
Com um leve sabor de morte...

E assim eu vivo...
Existindo na arte
E existindo pela arte
Sem mais razão ou motivo...


(Daliana Medeiros Cavalcanti - 24/03/2018)

Alma fechada

sábado, 10 de março de 2018


Em teu nome,
O mar e a estrela.
Em tua mente,
Só raiva e rancor...
Onde deliberadamente
Sou a causa de tua dor

Em teu olhar,
A ilusão e a mentira
E ao atuar
Guiada pela ira
Me dá fome
De querer esquecê-la...

Em teus lábios
O veneno escorre...
Morrem os sábios!
O senso morre!
E me humilhas
Com a culpa que compartilhas
Nos textos que discorres...

As tuas palavras
Sementes da discórdia
Que semeias e lavras
Sem misericórdia
Mostram o lado
Que não havia notado
Em teu ser disforme

E por isso, te indago
Qual a alegria em trazer a dor?
O erro fiz
O fardo trago
Pois queria com o labor
Te fazer feliz...

A admiração que por ti sentia
Foi-se embora com a amizade,
Perdida na nostalgia
Do que não sei se foi verdade...

Ferir-te não foi minha intenção
Nem trair tua confiança
Mas fechei meu coração
Ao resquício de esperança
De reaproximação

Que a distância seja constante
Que o silêncio se perpetue
Que o passado seja um instante
Que o vácuo continue

Fica a experiência
E uma cicatriz imensa
De tamanho abissal...
De um erro que não fiz por mal...
Que fiz na inocência
E deixou a relação tensa,
Mas que no tempo atual
Onde empatia há ausência
Que impere a indiferença.


(Daliana Medeiros Cavalcanti - em algum dia de fevereiro de 2013, completada e intitulada em 11/03/2018)

Aquarela incolor

Arte: Christopher Jobson

Sangra a alma...
Dói o coração...
Esvai-se a calma...
Transborda a emoção...

Cortam-me as palavras,
Pensamentos e atitudes...
O julgamento agrava...
E muito me desilude...

Esfaqueiam-me o peito...
E riem... e debocham...
Será que não veem direito
As lágrimas que em mim desabrocham?

Estraçalham-me e dilaceram!
Arrasto-me pelos cantos...
E meus auto-amores, aos prantos,
Já não são mais como eram...

E então, reduzida a pó,
Sinto-me cada vez mais só...
Sem uma alma viva a me entender...
"Não há tempo a perder"...

Sigo sofrendo calada,
Sorrio para disfarçar a dor...
De mim, não resta mais nada,
Nesse mundo cruel e sem cor...
Só uma esperança desbotada,
Quando tudo o que queria era amor...


(Daliana Medeiros Cavalcanti - 08/06/2017)

Suspiros e ânsias


Ah, se soubesses
O quanto, em ti, penso...
E do amor,
Por ti, tão imenso
Que tu tiveste
E não deste valor...

Ah, se ouviste
O palpitar triste
Do coração que te adora
E que por ti chora...
E pelo o que não existe...
Mas já existiu outrora...

Ah, se aceitasses
E encontrasses
Parte de ti
No rubor das faces
Que remeti
Em nossos enlaces...
Ah! Se me amasses!

Ah, cruel distância
Do tempo e do real...
E então, vivo em sonhos...
Que alimentam minha ânsia
De dias belos e risonhos
Onde sou tua, afinal...


(Daliana Medeiros Cavalcanti - 22/06/2014)

Simplismo

domingo, 18 de fevereiro de 2018


"Se você concorda com Simone de Beauvoir, vc é uma baranga tmb";
"Você é a favor dos benefícios sociais pq é vagabundo";
"Você é gay pq não tem Deus no coração";
"Você diz que é Golpe porque é Comunista"
"Você é contra a Dilma, então, vc é fascista"
...

E de simplismo em simplismo, quando o debate chega a esse nível, não existe debate. Só egos inflamados e inflados que ao invés de trocar conhecimentos, trocam ofensas... E um monte de nada...


(Daliana Medeiros Cavalcanti - 19/02/2018)

Definição de saudade

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018


Saudade é uma palavra da língua portuguesa que define um sentimento, não com a exatidão e precisão das palavras alemãs, mas com toda a complexidade, controvérsia e abstração que as emoções humanas possuem.

É a doce delícia dos apaixonados, que anseiam o reencontro...

É o luto amargo dos que se foram e não podem mais voltar...

É a lágrima salgada na lembrança da dor e das mágoas...

É o sorriso que desabrocha ao reviver a memória...

É o gosto travoso e seco na garganta dos que brigaram, mas não se esquecem...

É traduzir com o coração o que as palavras não conseguem mais dizer...

E é nessa disputa binária que a trissílaba se explica – a vontade em querer desfrutar a companhia de alguém de novo e a angústia da dúvida e incertezas...

O desejo de viver situações passadas...

De tornar físicos e presentes os momentos que outrora te roubavam o brilho no olhar e o coração acelerado e suspirante...

Não é o mesmo que sentir falta, pois “falta” implica ausência e a pessoa ainda está em você, mesmo que não seja em carne e osso... Mesmo que não seja agora... Mesmo que ela não possa mais voltar...

Saudade é, enfim, um tormento masoquista...

Um oásis em meio a um dia frustrante...

É algo que tem início e pode ter fim...

Nem que se vá com o último pulso...

Ou com o impulso alegre do retorno...


(Daliana Medeiros Cavalcanti – 15/02/2018)

Anjos do Paradoxo - capítulo 1

domingo, 4 de fevereiro de 2018


Capítulo 1 – O Diário de Carolina: o encontro


Fortuna, 15 de março de 2016. 


Não sou muito de escrever. Aliás, nunca fui, mas foi uma recomendação da psicóloga, então, vamos lá...

Me sinto meio boba fazendo isso, afinal, nem mesmo na adolescência, eu tinha um diário para escrever, mas espero que ajude e surta algum efeito não só para mim, mas para meu marido, que é o motivo de eu começar a visitar um psicólogo, coisa que nunca precisei na minha vida. Sempre achei que fosse coisa de doido ou besteira, pois para quê eu vou pagar alguém para conversar comigo? Logo eu, que faço amizade até com o vento?

Mesmo assim, por meu Bentinho, eu vou... Por ele, eu faço tudo o que for preciso, afinal, eu o amo e não suporto vê-lo como está...

Ele nunca foi um homem de muitas palavras e nunca foi extrovertido, como eu. Sempre foi muito calado, muito sério e sempre teve uma aparência melancólica...

Lembro como se fosse ontem que eu o conheci...

Nos conhecemos ainda na escola... Eu tinha acabado de me mudar para a escola onde ele estudava porque pulei o muro da escola anterior para matar aula e assistir o Titanic no cinema, que estava passando na época, junto com minhas inseparáveis amigas Mari e Kelly. Fomos pegas no flagra pela coordenadora da escola, bem na hora que Kelly já tinha pulado, eu estava subindo o muro e Mari estava esperando para pular também. Levamos tanto grito... Eu, como sempre, não pude perder a piada e mesmo levando um carão enorme (que, inclusive, fez a Mari chorar), falei que “ela tava muito nervosa e que estava precisando namorar um pouquinho e dar uns beijos por aí.” Kelly não pode conter a gargalhada, Mari ria e chorava ao mesmo tempo e isso irritou a coordenadora mais ainda! Hahaha! Como eu era sem-noção! Que bom que a gente amadurece depois! E por causa desse atrevimento, levei uma suspensão de 20 dias e meus pais, envergonhados com minha atitude e por castigo, fizeram eu mudar de colégio.

Fiquei triste porque éramos “As três mosqueteiras” e não estávamos mais juntas, rindo e bagunçando na escola e mudei de uma escola mais simples para uma mais conservadora ainda e que deve ter custado bem mais caro para os meus pais. Naquela época, me perguntava “onde eles estão com a cabeça em achar que um colégio mais duro vai me ajeitar? Eles vão ver só! Eu vou ser pior ainda, só de ruim, para eles aprenderem a não separar as três inseparáveis amigas mosqueteiras”. Quando olho meus filhos hoje e lembro de mim mesma, como era antigamente, dou graças a Deus deles não terem puxado a mim! O mais novo é que está começando a querer fazer graça, mas como eu fui do mesmo jeito, já tento “acabar com a festa” antes, me segurando para não rir.

Voltando à história da minha adolescência, lembro que a primeira vez que meus pais me levaram para o novo colégio, eu olhei a entrada e perguntei espantada:

- É aqui que eu vou estudar?!?!

- É sim. Não é lindo? – perguntou minha mãe. A escola era uma das mais antigas da cidade. Possuía uma arquitetura antiga, mas era pintada de cinza-escuro e possuía portões de ferro de cor chumbo, quase preto.

- Mas isso parece um cemitério!!! Credo! Que horror! E olhem esses estudantes! Só tem mauricinho e patricinha!

- Carol, você não está no direito de reclamar. Lembre-se do que você aprontou no ano passado. Isso é para você aprender a não dizer essas coisas com uma autoridade.

- Mas você me separou das minhas amigas...

- Elas não são boas companhias para você.

- Errado, mãe: eu é que tive toda a ideia. Eu sou a má companhia.

- Você não me responda! Desça do carro, vá já para a aula e trate de se comportar, senão, ficará em casa, de castigo, todo final de semana!

E desci irritada e revoltada, como muitos adolescentes, né? Mas sabia que estava errada. Se dependesse do meu pai, eu seria a menina mais mimada do mundo, mas minha mãe tinha pulso firme e era quem colocava ordem na casa. Meu pai era bobo, que nem eu agora e também tinha que se controlar para não rir dos meus atrevimentos, mas eu percebia que ele se divertia com eles e quando mamãe não estava, ele ria alto, junto comigo.

O “cemitério” tinha lá seu charme. A arquitetura antiga é sempre muito bela, mas precisava pintar a escola de cinza? Que mau gosto! E o uniforme da escola era preto, cinza e branco, com gravatas vermelhas, tanto para meninos, quanto para meninas, mas as meninas usavam saias e os meninos, calças compridas.

Quando entrei na escola, muitos alunos percebiam que não era dali e lançavam olhares de estranhamento, mas eu abria o meu melhor sorriso e cumprimentava a todos, mesmo sem conhecer ninguém, vi que muitos simpatizavam comigo e já fui conversando com as meninas que mais senti afinidade. Como disse, faço amizade até com o vento.

Elas me mostraram algumas coisas do “cemitério”, rapidamente, riram do meu apelido para a escola e, finalmente, fomos para a sala de aula antes que tocasse o sinal.

Ao entrar na sala de aula, vejo alguns meninos em pé, conversando entre si e olhando para nós meninas e as meninas que estavam comigo devolvendo os sorrisos a eles. Sorri de volta, mas ao olhar ao redor da sala para conhecer o lugar, foi quando o vi pela primeira vez... Ele estava sentando em uma das carteiras, bem no meio da sala, com um olhar vago... Olhando para cima e para o lado, como se estivesse pensando em alguma coisa... Ele me viu chegar com as meninas, mas olhou com indiferença e depois, pareceu lembrar o que queria e escreveu em seu caderno. Foi quando cutuquei a Amanda, e perguntei:

- Quem é aquele?

- Ah! É o Lestat. Quer um conselho? Esqueça! Ele não fala com ninguém e é todo esquisito e delicadinho demais.

- Ele é lindo... – falei quase sussurrando, em transe ao ver aquele menino tão belo.

- É sim, mas... Desconfiamos que ele seja gay.

- Ah, não. Não pode ser...

- Quer ir lá conferir? Se quiser, boa sorte. – tinha dado o primeiro passo para ir lá conhecê-lo, pois eu “sou dessas” e aí, ela continua – Sabe o que é engraçado? É seu primeiro dia no “cemitério” e você fica logo afim do Lestat? – e eu, ela e as outras meninas começamos a rir.

Não era à toa que o chamavam de Lestat. Ele tinha uma pele pálida, cabelos negros como a noite, longos e volumosos e olhos azuis tão claros e tão puros, como nunca tinha visto antes e eu só fui percebendo o quanto eram azuis quando ia me aproximando, lentamente, cada vez mais e mais perto dele, quase como se estivesse hipnotizada e ele estivesse arrastando meu corpo por telecinésia.

Fiquei tão abobalhada que fiquei frente a frente com ele, de tanto que quis chegar perto daqueles olhos azuis tão puros e ele parou de escrever e olhou para mim, mas estava tão concentrada em ver como eram os olhos dele que não vi para onde, ou melhor, para QUEM eles estavam olhando. Eis que sou acordada por uma voz médio-grave masculina, mas suave, fria, educada e baixinha, que pergunta:

- Pois não? – eu não me lembro de ter corado tanto na minha vida, até porque, eu não sou uma mulher tímida. Nunca fui! Mas nessa ocasião, eu fiquei tão envergonhada por caminhar até ele sob essa “hipnose”, que não pensei no que dizer... Não fiz uma aproximação “normal”, como faria com toda e qualquer pessoa, mas, obviamente, aquele menino não era normal. Tive que pensar em algo rápido e no nervosismo, falei:

- Você senta aqui no escuro para não virar cinzas, Lestat? – o que diabos foi aquilo que acabei de perguntar? A pior aproximação que fiz em toda a minha vida!!!

- Quê? – perguntou espantado e sem entender nada.

Acho que falei em voz alta, pois a sala toda riu às gargalhadas e acabei rindo de nervoso e rindo de mim mesma também, mas vi que ele fez uma cara de quem não gostou e falou em voz ainda mais baixa e em tom pesaroso:

- Com licença... – e se levantou e mudou de lugar, levando o caderno, estojo e mochila junto.

“Sua idiota!” pensei, me xingando. E antes que pudesse pensar em consertar a besteira que fiz, toca o sinal, todo mundo vai aos seus lugares e corri para me sentar ao lado dele, que pareceu não ter gostado disso também. E antes que eu pudesse falar algo para me desculpar, entra a professora em sala de aula, que começa a se apresentar e pede para que todos façam o mesmo.

Cada aluno se levantava, dizia seu nome e o que gostava de fazer ou pretensões futuras, mas eu não conseguia prestar atenção nos outros alunos e alunas. Olhava fixa e descaradamente para ele que, percebia, de vez em quando, os meus olhares e parecia um pouco incomodado com aquilo. Parecia não saber lidar com aquilo ou não me entender, além de estar chateado por eu ter feito a sala inteira rir dele quando, na verdade, estavam rindo de mim. Eu não me importava, mas agora, casada com ele, compreendo melhor como a mente dele funciona ou, pelo menos, assim penso eu, pois agora, o meu esquisito está ainda mais esquisito do que antes, quando éramos dessa época...


Quando chegou na vez dele de se apresentar, ele se levantou e começou:

- Eu sou Moacir... – e, sem pensar muito, o interrompi:

- É o quê, menino? Tomou café hoje não? Fale alto pra sala ouvir. – e, mais uma vez, a sala caiu na risada e ele olhou para mim com uma cara ainda mais feia do que a que ele tinha feito, da primeira vez que a sala riu dele.

Segunda idiotice do dia, com o mesmo menino, em poucos minutos que nos conhecemos. Meu Deus... Acho que eu merecia um carimbo de “imbecil” na minha testa...

Ele se retraiu ainda mais, por ter virado a “piada da sala” novamente, mas limpou a garganta, projetou mais a voz e falou em voz alta:

- Meu nome é Moacir René. Tenho 17 anos, gosto de ler e pretendo ser um arquiteto. – e voltou a se sentar. Pensei “só isso?!?!?! Credo! Tão lindo, com um nome tão horrível e falando tão pouco...!” Eu tinha falado aquela besteira sem pensar, justamente, porque queria ouvir mais sobre ele e ele faz essa microssíntese da vida dele?!?! A professora Sílvia, então, toma a dianteira e fala:

- Que tal falar sobre as suas conquistas, Moacir? – e ele ficou calado. A professora continuou, após o momento de silêncio – Turma, para quem não conhece, o Moacir foi campeão, ano passado, das Olimpíadas de Matemática da cidade, além de ser poeta e músico, é campeão do Clube de Xadrez da escola e entrou, recentemente, na seleção de vôlei e tenho certeza que representará muito bem a classe durante os jogos internos. – fiquei de queixo caído, enquanto todos o aplaudiam educadamente! Quer dizer que o “Lestat” era tudo isso? Um gênio da matemática, artista e, ainda por cima, bom nos esportes? Fiquei ainda mais encantada com o menino, querendo saber mais sobre ele!

Ele apenas consentiu com a cabeça e parecia ter corado um pouco e depois, abaixou mais a cabeça e quieto permaneceu.

Como assim?!?!? Se eu tivesse um currículo desses, ia esfregar na cara de todo mundo e, inclusive dos meus pais, que diziam que eu era “um caso perdido” e só ia “pisar no chão” porque era o jeito.

Outros alunos foram falando sobre si até que, finalmente, foi a minha vez.

- Olá a todos! Meu nome é Carolina, mas podem me chamar de Carol. Tenho 18 anos e minhas maiores conquistas foram não ter reprovado ano passado, ter comido a maior quantidade de fatias de pizza num rodízio e ter zerado o jogo do Alladin. – disse com meu sorriso entusiasmado de sempre e a sala riu de mim, mais uma vez, mas havia um rosto... Um olhar que não estava voltado para mim e era, justamente, o olhar que eu mais ansiava...

- Mais alguma coisa que queira compartilhar conosco, Carolina? – perguntou, carinhosamente, a professora. Respirei fundo e disse:

- Sim... Algumas vezes, eu gosto de fazer as pessoas rirem e falo sem pensar, mas não é por maldade... Nunca me importei muito com o julgamento das pessoas ou com o que elas pensam de mim, mas... Se ferir alguém, tentem não levar a sério, pois nem eu me levo a sério... Se vocês tiverem isso em mente, verão que sou uma pessoa legal e uma pessoa que vale a pena conhecer. É só isso que queria acrescentar, professora. Obrigada! – a sala me aplaude e eis, então, que finalmente, ao sentar novamente à minha carteira, aqueles olhos azuis me encontram, mas não mais com raiva e sim, com curiosidade, como se tentassem me entender e estivessem confusos...

Eu percebo os olhares e os devolvo com os meus e com sorrisos largos e espontâneos, sempre mostrando os dentes.

Não era a primeira vez que me apaixonava, mas à primeira vista, daquele jeito, sim e aquele menino, realmente, era muito esquisito. Engraçado até. Ele ficava desconsertado com meus olhares e sorrisos e pela primeira vez, vi aqueles olhos brilhando vivos e felizes e um sorriso tímido de canto de boca. Foi o primeiro de muitos sorrisos que roubei daquele “vampiro”, no “cemitério” e me alegro, até hoje, por isso.

Nossa! Até que escrever em um diário não é assim tão chato quanto pensei. Continuarei amanhã, fazendo esse resgate da nossa relação, para relembrar tudo o que houve de bom e aonde foi que erramos, ou melhor, que eu errei e que não consigo mais roubar tantos sorrisos hoje...

Melhor ir dormir, pois terei um longo dia pela frente, amanhã no trabalho, e tenho que preparar o café e lanche das crianças na escola logo cedo.


Carolinda e sempre.