A difícil arte de finalizar

sábado, 12 de março de 2022


(Daliana Medeiros Cavalcanti - 12/03/2022)

É difícil porque dói. Já começo assim.

Num mundo onde o cancelamento é uma cultura que está na moda, ser sensível, amar, ter consideração por alguém ou um grupo de pessoas, sentir que não existe uma reciprocidade e tomar a dura decisão de terminar sua relação, seja ela de que natureza for – amizade, relacionamento ou trabalho –, é algo muito sofrido para ambas as partes.

De um lado, você tem a pessoa que depositou a confiança em você, acreditou no seu potencial, investiu seus bens mais preciosos: o tempo e a energia de vida naquela relação e que não obteve, minimamente, um reconhecimento de tudo o que fez e do outro, uma pessoa que talvez, por estar tão acostumada com aquela que está sempre “sendo boazinha e compreensiva, arregaçando as mangas e fazendo tudo”, não tem a menor noção do porquê esse término aconteceu e sofre para entender.


Não se trata de “a(o) bonzinha(o) e a(o) malvada(o)”. Cair nesse simplismo é de um empobrecimento do debate TREMENDO! O que acontece é que um(a) está acostumado(a) a doar e o(a) outro(a), está acostumado(a) a receber, entretanto, sempre quem se doa, acaba ficando exaurido(a) e, nem sempre, quem se acostuma a receber tem uma visão empática em relação a compreender o cansaço do(a) outro(a), e quem se acostuma a doar, PRECISA aprender a impor limites e a não querer ser “o Super-Homem” ou a “Mulher Maravilha”. Quando esse esforço não acontece, a relação fica muito desbalanceada e a tendência de se desgastar é muito grande.

Quero deixar claro, antes de tudo, que eu não apoio a cultura do cancelamento, porque muita gente retira pessoas de suas vidas por erros bobos... Erros tolos que uma simples conversa e/ou pedido de desculpas resolveria...

Infelizmente, as pessoas estão muito intolerantes e errar faz parte do ser humano. Muitas vezes, você pode ser cancelada(o) por uma besteira que falou, há anos atrás, e que nem define mais a forma como você pensa agora, e mesmo que seja gravado um vídeo, reconhecendo o seu equívoco, a internet imortaliza tanto o que você falou de bom, quanto o que você falou de ruim.



É claro que cada caso é um caso, portanto, é necessário, nas relações humanas, sempre analisar o contexto – por que aquela pessoa falou/fez aquele besteirol? Foi por ignorância? Então, vamos conversar. Foi por preconceito? Há casos em que dá para conversar, para a pessoa mudar a mentalidade e aderir às lutas sociais (contra o racismo, LGBTQIA+fobia, machismo, capacitismo, etc) e há casos em que, infelizmente, a pessoa está tão arraigada naqueles pensamentos ultrapassados, tão decidida a não escutar, só está olhando para si e não se importa em machucar o outro que, realmente, o diálogo não vai funcionar. O melhor é manter a distância mesmo.

Reparem que há todo um processo em jogo, como descrito acima, para se cortar um vínculo e que não é algo simples como “você me chamou de feia. Não sou mais sua amiga”. Isso é um pensamento e comportamento infantil, mas que, tristemente, é a “moda virtual pós-moderna”.

Uma pessoa que possui consciência desse processo, quando decide pelo fim de um vínculo, é porque ponderou muito sobre aquele assunto, tentou falar (e/ou falou) várias vezes o que incomodava na atitude da(o) outra(o) e foi ignorada(o), a pessoa nem se esforçou para refletir, nem para tentar mudar ou, pelo menos, tentar se colocar no lugar desta(e) outra(o), que está tentando comunicar que algo não vai bem entre vocês e que precisam pensar juntes em alguma solução, justamente, para continuar o elo.



 Quando se conversa várias vezes e se oferece muitas chances a alguém e você não observa mudanças e respeito aos seus limites, a sua fala não está sendo respeitada e valorizada e se é essa a situação, de falta de reciprocidade, a melhor solução é virar as costas e ir embora. Numa boa. Sem brigas e sem olhar para trás.

“Ai, Dali! Que horror! Que frieza! Você está muito amargurada!”

Olha, gente... Eu não sou tão nova, a ponto de ser ingênua (mas, em algumas ocasiões, ainda sou e detesto isso), mas não sou tão velha, a ponto de não ter vivido o suficiente para afirmar, com o respaldo da minha experiência vital, de que aquele que não te escuta, não reflete sobre suas ações e, o mais importante de tudo: NÃO AGE PARA MUDAR, não vai mudar. Simples assim.

Só o que vi, nesta vida, foi “conversinha fiada”. Pessoas que “pedem desculpas, se dizem muito arrependidas, que agora, aprenderam a lição, que tudo vai ser diferente, aprendi o real sentido do amor com você, toma aqui um presente e me perdoa”, mas é só lero-lero. Meses, semanas, dias ou até horas depois, já voltam a ser as mesmas pessoas egoístas de sempre, que só olham o próprio umbigo e não vão se importar com você.

E aí, lá vai você sofrer de novo...



Repito: não é algo fácil, pois existem as memórias de tudo de bom que vocês viveram... De todos os momentos felizes... De tudo o que construíram (se é que construíram alguma coisa)... Da gratidão que você sentiu... Da época em que você era bem tratada(o)... E quando essas lembranças entram em jogo (porque elas estarão lá sim), o peso da decisão é maior e o sabor é mais amargo.

Por esses motivos, é uma atitude que deve ser muito bem pensada, que deve ter diálogo (e se não houver essa conversa porque a pessoa enrola, enrola e não marca um dia, vá embora também!) e, pelo menos, uma chance, pesando os prós e contras deste término.


 
Se depois de um período de avaliação, você chegar à conclusão que a consideração e respeito que você tinha não estão sendo mais correspondidos e que o comportamento amoroso ficou no passado e agora, o comportamento é de descaso e que não vai mudar, finalize. Vá embora! É o maior ato de amor que você faz para si mesma e a sua saúde mental e emocional agradece!

Dói, é difícil, mas é o melhor que você pode fazer por você mesma e é hora de você olhar para si e se dar o amor e respeito que aquela(e) outra(o) não foi capaz de corresponder. No início, o sofrimento vai ser grande, mas depois, vai ver que foi uma atitude sábia e vai começar a se sentir bem de novo. Uma relação só vale a pena ser vivida se houver reciprocidade. Se não existe, tchau!



Eu vejo, principalmente, muitas mulheres (claro que existem homens também, mas a questão de gênero também pesa nessas situações) se mantendo em péssimas relações familiares, de trabalho, amizade ou amorosas, por causa de um banquete de afeto que elas tinham antes (e que, às vezes, pode ser ilusório) e que fica alojado na memória delas e então, ficam sobrevivendo com migalhas, na esperança de terem aquele banquete maravilhoso novamente, e que só diminuem suas autoestimas e estabelecem uma relação de controle, onde a pessoa que oferece as migalhas é “o(a) dominador(a)” e a que se vicia nas migalhas, é como um lindo e frágil passarinho, que vem comer na mãozinha do seu/sua “dono(a)”, e dependência emocional com aquelas(es) que elas amam.


 
É um jogo de poder e manipulação cruel e, honestamente... É uma brincadeira em que só um dos lados se diverte e que não tem graça nenhuma para quem se doa a um coração vazio.

Se você está sendo tratada(o) desta forma desrespeitosa, siga o conselho da Nina Simone: “você tem que aprender a levantar-se da mesa quando o amor já não está sendo servido”.



Levante-se dessa mesa, vá embora e destine todo o carinho que você tinha pela(o) outra(o) para si mesma(o). Você merece!

Beijão e "vá com Deus"!



2 comentários:

Pollyanne disse...

Vim visitar seu cantinho e bateu saudade do meu. Embora visite-o - não com a mesma frequência de antes - mas ainda escrevo por lá. Geralmente quando transbordo e preciso me esvaziar. Parabéns pelo espaço. Voltarei mais vezes. Abração!

Dali disse...

Obrigada, querida! :D Muito importante esse transbordar e quando puder, volte com seu cantinho. <3
Abração! :D <3

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