O perdão sob uma visão não religiosa

segunda-feira, 27 de junho de 2022


(Daliana Cavalcanti - 27/06/2022)


É impressionante como o perdão é sempre associado a uma perspectiva religiosa, como se fosse uma virtude exclusiva de quem crê, entretanto, isso não é verdade.

Com certeza, as igrejas falam muito sobre ele, mas eu vejo poucos religiosos realmente seguindo aquilo que dizem acreditar...

Infelizmente, venho observado que muitos e muitas dizem que perdoaram por puro show off (ou, em bom português “pra se amostrar” e dizer “olhem como sou fervoroso(a)”) ou porque agem como bichinhos adestrados: perdoam e fazem o bem porque querem residir no Paraíso, “ao lado de Deus-pai todo-poderoso”, lugar que a maioria delas acha que merece.

Entretanto, como é o perdão para quem não tem uma “moeda de troca”, como o céu, depois que morre e caso você tenha realizado boas ações durante a vida?


Tenho refletido muito sobre isso, em busca de respostas e as que encontrei agora é que, antes de mais nada, o perdão deve ser entendido como uma atitude e um sentimento.

Normalmente, quem cometeu o erro e se conscientiza disso, sente vergonha e esse sentimento desperta a vontade de pedir perdão à pessoa a quem feriu, portanto, percebam: quando há a sabedoria e humildade de refletir suas ações e perceber o equívoco, isso desperta um sentimento (não o perdão, mas a culpa) e, sendo assim, a pessoa se move em direção à outra para pedir desculpas. Sem consciência, humildade e a força de vontade de consertar a relação, que pode ter sido abalada, não há uma atitude de buscar pelo perdão do outro, mas, para isso, a pessoa deve vencer o orgulho.

Por outro lado, a pessoa magoada sente tristeza, decepção e/ou raiva e a atitude que ela pode ou não ter é perdoar quem a machucou e, dependendo da situação, isso é muito mais difícil do que parece (e é por ser tão complexo que vou me estender mais nesta direção). Mais uma vez: sentimento e ação presentes deste lado da moeda também.

Sabe aquela frase que diz “quem perdoa é Deus. Eu faço uma planilha no Excel com o nome, data e hora dos vacilos”. Eu sou esta pessoa e, por isso, eu tenho uma dificuldade IMENSA de perdoar quem me fez mal de propósito... Quem teve a escolha de fazer diferente e não fez, mesmo sabendo que ia me magoar e, ainda assim, seguiu adiante porque a ele(a), convinha... A ele(a), faria bem... Pessoas assim demonstram, claramente, o pouco valor e estima que têm por mim, lógico, além de uma enorme falta de caráter.

Obviamente, considero mais fácil perdoar casos pequenos, onde a pessoa não fez por mal e, se é algo recorrente (porque tudo tem limite, né?), que existe, ali, um esforço em mudar e ser melhor. Quando são esses os casos, perdoo e deixo para lá, mas nossa! Que difícil é perdoar quem te machuca conscientemente!

No entanto, vivi boa parte da minha vida assim e estou sentindo a necessidade de mudar, não para ser “a santa maravilhosa que tudo aceita e tudo perdoa”, e sim, porque estou com uma perspectiva diferente sobre o perdão: é um ato de libertação e muito amor-próprio!

Quando estamos feridas(os), sentimos muita raiva, tristeza, remorso... E ficamos presas(os) a estes sentimentos ruins e não me refiro a isso como uma “visão holística” de “atrair energias negativas e tal” (mas se você enxerga assim, tudo bem), mas a vida tem me ensinado que qualquer coisa que custe minha paz, tem um preço muito alto, portanto, estou aprendendo que é bom perdoar não porque o outro merece, mas EU mereço e mereço a paz.

Desta forma, é sempre bom pensarmos em nos perdoarmos, pois, muitas vezes, nós nos culpamos: “nossa... Se eu tivesse percebido que fulano(a) era assim, isso jamais teria acontecido” e não temos como adivinhar o futuro. Repito: esse perdão é A NÓS e POR NÓS, não pelo(a) outro(a).

Seria uma autocura de sentimentos ruins, afinal de contas, existem doenças psicossomáticas e em tempos de COVID-19, dengue e tantas outras mazelas, já chega de perigos à saúde, né?

"Ai, Dali! Que pensamento egoísta!” Oxe! E por que você vai se preocupar com uma pessoa que vacilou contigo, JUSTAMENTE, porque pensou só nele(a) mesmo(a)? Pense em você e cure suas feridas e deixe o(a) outro(a) para lá.

"E se ele(a) não reconhecer seu erro e não pedir desculpas?” Você não tem nada a ver com a consciência do(a) outro(a). Quando isso acontece, geralmente, é por ignorância ou arrogância. Seja lá o que for, viva a sua vida em paz, pois o erro não foi seu e sua vida não depende disso. Se isso estragou a relação, analise o caso e, dependendo do que for, do quanto você se importa com ele(a) e da quantidade de equívocos, você pode conceder este perdão ou não.

Agora, vamos falar da atitude de conceder o perdão... Eeeeita, coisa difícil!

Tem gente que acha que “perdoar é esquecer”, mas se o caso foi grave, você não está com amnésia, nem demência, nem Alzheimer, é óbvio que esse esquecimento não vai acontecer. Sabemos que perdoamos quando lembramos da história e de tudo o que aconteceu e não somos tão afetados(as), emocionalmente – está na nossa memória apenas como algo que se passou e ficou para trás, sem roubar ou afetar a nossa paz.

Se lembramos da situação e uma série de xingamentos vêm à nossa mente: “ah... Aquele(a) nojento(a) desgraçado... Merecia passar o dia ajoelhado(a) nos caroços de milho, levando surra de cacto e urtiga, pra deixar de ser ruim...”, então, logicamente, sabemos que não perdoamos. O perdão genuíno é algo extremamente difícil!

Além de tudo o que foi exposto, perdoar é um ato de muita humildade também.

Certa vez, ouvi uma Youtuber comentar “eu perdoo sim, pois da mesma forma que o(a) outro(a) é passível de erros, eu também sou” e achei belíssimo esse modo de pensar e que fazia total sentido esse sentimento de empatia, pois não somos perfeitos(as).

Mesmo assim, eu fico tão irritada e indignada com injustiças que, como disse, para mim, é difícil desculpar erros feios, egoístas e propositais. Eu só penso em mudar e aprender a perdoar para que EU possa ficar em paz. A vida é muito curta para desperdiçar com tanta raiva de pessoas trapaceiras. É só por isso que penso em mudar.

Antes de encerrar, quero deixar claro que há coisas que não se devem perdoar MESMO! Ninguém é obrigado(a) a perdoar nada, especialmente, quando os vacilos são de alta gravidade e te prejudicaram severamente, mas estou fazendo esta reflexão porque amo a minha paz, estou na luta para reconquistá-la, estou me perdoando e pensar em quem me magoou, o(a) empodera e não quero mais perder tempo alimentando os porcos. Prefiro gastá-lo com meu bem-estar.

Por fim, se desculpar ao(à) outro(a) é algo que não vem ao caso, pelo menos, perdoe a si e viva feliz.

Beijão, galera!

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