Flertes pós-modernos

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Por: Daliana Medeiros Cavalcanti - 03/11/2022


Sinto uma preguiça TREMEEEEENDA de flertar nos dias de hoje!

Que nós vivemos num mundo líquido, isso não é novidade: as relações atuais estão tão fragilizadas que é mais fácil desfazê-las do que construí-las, e isso não é muito diferente nos relacionamentos amorosos - para nos envolvermos com alguém, passamos pela paquera primeiro, afinal de contas, mesmo nos casos em que a gente já tenha uma relação de amizade com alguém, e depois, passamos a nos apaixonar por aquela pessoa, a forma como a vemos muda e aquele olhar de admiração já constitui num flerte, de certa forma.

“Ok, Dali. E por que a preguiça da paquera nos dias de hoje? O que mudou?”

Num mundo onde o foco no “aparentar ser” e não “ser” mesmo, faz com que muita coisa se torne fake ou seja vista de maneira BEM distorcida e uma das coisas que enxergo, nesse sentido, é a questão da autovalorização.

Faz algum tempo que a moda das músicas de sertanejo universitário (que é o que faz sucesso atualmente) é cantar sobre “hoje, sou mais eu e não quero mais você” e óbvio que incentivar a autoestima e autoconfiança é sempre louvável, mas eu não sinto que é isso o que essas músicas estão provocando nas pessoas - o que eu sinto e vejo é mais como uma disputa de egos, em que todos perdem.



O embate funciona da seguinte forma: aquele que demonstra menos interesse e que não vai tanto atrás da pessoa é “o(a) gostoso(a), que tem o poder e controle da relação”. É o famoso “ignora/despreza que ele(a) gama”. Daí, mesmo que um esteja afim do outro, eles não se falam muito para “não dar tanta bandeira” ou “para não dar tanta moral pra pessoa”.

E só o que existe na internet são cursos e cursos de sedução, ensinando essas bobagens e coquetismo para homens e mulheres, que podem até funcionar num primeiro momento e/ou nas fases iniciais, mas cansam e não mantém uma relação, caso seja esse o objetivo de alguém, e nesse “estica e puxa”, muita gente vai perdendo o interesse de verdade e o romance não acontece (mesmo que utilize a palavra “romance” ou “relação amorosa” no texto, não entenda apenas a referência a relacionamentos sérios, mas também, às relações passageiras).

Fico me perguntando quantos e quantos encontros não deixaram de ser vividos por causa desses joguinhos tão bobos e infantis. Sei que há quem goste, mas, pessoalmente, não tenho a menor paciência para isso, porque qualquer coisa que tira a minha paz, me custa muito caro. “Prefiro assistir o filme do Pelé.”

Esse post me define. Sou leonina, ainda por cima.


Também me questiono que espécie de autoestima disforme é essa, em que a pessoa precisa flertar, SOMENTE para testar o seu poder sobre alguém…



Já vi esse filme várias vezes - falarei de uma perspectiva feminina e heterossexual, mas coloquem o gênero e orientação sexual que quiserem - o cara te chama para sair, mas deixa o horário em aberto e não é porque “quer te ver, mas está com o horário apertado e não sabe quando vai sair do trabalho, mas depois, ele vê e te diz”: é para saber o quanto você está disponível para ele. Se ele perceber que você está esperando pelo convite ansiosamente, vai se achar “O Poderoso Chefão”, te tratar como “item de estoque”, sumir e se você conta a situação pra alguém, as pessoas ainda te chamam de besta. Vocês já passaram por isso?

Fico me perguntando o que custa ser objetivo(a) e demonstrar interesse quando tem interesse e não demonstrar quando não tem. Ao invés disso, vemos muita gente que não sabe o que quer… Hora, parece estar interessado(a), hora não…



A liquidez está presente até nos sentimentos, ou porque a pessoa tem vontade de viver algo contigo, mas não tem coragem para bancar o que sente ou porque, na verdade, ela nunca teve interesse em ficar com você: tudo o que queria era um carinho no frágil ego dela, carente de validação alheia quanto à sua beleza ou poder de atração.



Me pergunto, também, o que aconteceu com o diálogo… É visível que, infelizmente, muita gente não tem dialogado e que essa tem sido a causa de muitos problemas (o cenário político demonstra isso a nível gritante), afinal de contas, as relações mais verdadeiras, saudáveis e duradouras não são aquelas em que “as pessoas nunca brigam” e sim, as que mesmo durante uma discussão, que ambas as partes possam FALAR e serem OUVIDAS!

Num mundo com pouca conversa, o que acontece é isso: deu match no app de pegação? Pergunta o nome e onde mora… E pronto! Foi prosa o suficiente! Pega o WhatsApp e já chama pra sair!



Se a finalidade é apenas sexual e ambos concordam, não vejo problema nenhum, mas até pra isso, existe o joguinho de “quem tá no comando” e até o sexo casual deixa de acontecer por causa disso! Não é à toa que a geração atual é a que menos tem relações sexuais.

É até um paradoxo curioso ver que algumas músicas atuais têm letras de sexo explícito; que estamos abrindo nossas mentes para novos tipos de relacionamentos - relacionamento aberto, trisal, poligamia, etc -; que temos um monte de aplicativos e redes sociais à disposição, para encontrar novas pessoas; e, ainda assim, vivemos num mundo onde as pessoas se relacionam cada vez menos.

É impressionante ver um mundo tão conectado virtualmente e tão desconectado pessoalmente… Redes sociais que nos tornam antissociais... E essa desconexão não se dá apenas nas interações humanas, mas muita gente tá desconectada até de si mesma… Não sabe o que quer e acaba gerando expectativas nos outros, porque, para elas, ter o ego alimentado é mais interessante do que se importar com os corações alheios…



No meio disso tudo, é impossível não enxergar, também, a questão de gênero embutida nessa questão da conversa: muitos homens não estão acostumados a dialogar com as mulheres, caso contrário, não existiriam fenômenos como o mansplanning e o manterrupting e, nesse caso, em especial, isso independe de orientação sexual - o que tem de amigos gays que fazem isso com a gente é impressionante -, entretanto, quando se trata de relação amorosa, as consequências disso são homens que se apaixonam por mulheres, por trocarem três palavrinhas e já acharem que “têm intimidade demais” e casais fadados ao fracasso porque o diálogo é quase inexistente, e por mais paixão que exista, sempre chega o momento em que ela esfria e se você estiver com alguém com quem você não tem tanto assunto, por mais linda que a pessoa seja, isso também vai cansar e acabar um dia.

Não é porque conversamos que estamos pedindo alguém em namoro ou casamento, caso contrário, não existiria a amizade e essa última, se não houver diálogo e uma relação respeitosa de escuta, é porque nunca foi amizade. Até mesmo nisso, as pessoas gostam de jogar para saborear o poder e controle que têm sobre alguém… Que mundo é esse?!?


Me pergunto se essa relação de dominação sempre existiu e eu que estou me dando conta agora ou se, realmente, houve uma piora na qualidade das relações, que coisifica as pessoas e transforma seres humanos em consumidores de produtos descartáveis…

Sei que tenho uma enorme preguiça de relações superficiais, onde não há reciprocidade e sei que um outro mundo, com outro comportamento, é possível. Ontem mesmo, fiz uma chamada no Meet com uma das minhas melhores amigas e passamos quase 2h conversando e, o mais impressionante de tudo, é que ainda tínhamos assunto e queremos ter outros momentos de conversa como esse.

Esses SIM são os relacionamentos SÓLIDOS que valem a pena manter. Relações que foram construídas com tempo, paciência, respeito, dedicação, ESCUTA e DIÁLOGO.

Todo o resto, pelo menos pra mim, é preferível a solitude.


(Daliana Medeiros Cavalcanti - 03/11/2022)

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