Como não consolar alguém

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024


(Daliana Medeiros Cavalcanti – 01/03/2024)

Há algum tempo, venho percebendo que a “empatia” é uma palavra muito falada e pouco aplicada ou vivida.

Se o mundo está falando muito sobre isso, é porque, de fato, é um aspecto em falta na sociedade e um dos motivos (talvez, o principal) é a própria pós-modernidade, que faz com que todos(as) estejam tão ocupados(as) que não têm tanto tempo de falar com aquele(a) amigo(a) ou familiar e saber se está bem ou não, até porque eles(as) mesmos têm suas próprias ocupações e problemas e, às vezes, outras pessoas também não os(as) procuram para saber se estão bem.

Pensando nisso, pensei em enumerar algumas coisas que escutei, durante a vida, nos momentos em que precisava de acolhimento e que, para mim, foram altamente imbecis e nunca ajudaram em nada. Aliás, ajudaram sim: a me sentir PIOR.

Eis a listinha de coisas para não se dizer quando alguém está precisando de colo:

1. “Você e a torcida do Flamengo”

Muitas do que a gente fala tem a ver com (i) o momento, (ii) como estamos nos sentindo, que se reflete completamente na nossa percepção de mundo, (iii) o que vem do outro e (iv) o histórico do outro, quando você fala algo a seu respeito.

Numa das ocasiões em que ouvi essa frase, eu havia revelado a um casal que estava com um quadro misto de depressão e ansiedade e esse foi o comentário, em tom de sarcasmo.
 

Existem formas e formas de falar a mesma coisa: se a intenção era fazer com que eu não me sentisse sozinha, poderia, simplesmente, dizer “o mundo está mesmo uma loucura e muitas pessoas, assim como você, estão com esse quadro misto, inclusive, nós. Portanto, você não está sozinha”. Percebem a TOTAL diferença?

Meses antes, eu escutei a mesma frase e falei do mesmo assunto, e esse outro casal amigo respondeu “você e a torcida do Flamengo”, mas eu não me senti triste: eu comecei a rir! Qual a diferença? Justamente, o histórico: o parceiro deste segundo casal é um cara brincalhão e engraçado e, conhecendo o jeito dele, sei que ele falou de forma empática e bem-humorada, já o primeiro, empregava a ironia, de forma em que eu sempre me sentia mal e diminuída.


2. “É só fazer isso”

Essa outra frase é de um descaso tão grande que me dá raiva ao lembrar e digitar: mais uma vez, estava me abrindo com alguém, dizendo que não estava conseguindo dormir cedo e veio a resposta automática “é só não ficar na internet até tarde”.

Nossa! Que fácil, né? Espero que essa pessoa seja assim tão prática na resolução dos próprios problemas quanto é na resolução dos meus!

E o porquê de eu ficar até tarde, que tem a ver com a ansiedade e que poderia ser preenchido com qualquer outra coisa, como um outro vício?


Ao falar essa “solução mágica”, você está diminuindo os problemas do outros, que para você, pode ser uma bobagem, mas para o outro, não é. Não é “só fazer isso” que você “cura” a ansiedade, que é a raiz da questão.

Eu não tenho TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), mas já que eu não tenho, será que a pessoa que possui esse transtorno iria gostar da minha maravilhosa resolução de “é só prestar mais atenção e não ficar tão agoniado para resolver as coisas”?

“Pimenta nos olhos do outros é refresco” pra algumas pessoas, né? Aff!


3. “Por que você não faz que nem fulano?”

Nossa! Eu passei a vida ouvindo isso e, mais uma vez, tem a ver com a forma de falar: uma coisa sou eu escutar alguém e citar a experiência de outra pessoa, conhecida ou não, que lidou com a mesma coisa, com intenção de que talvez, esse relato possa auxiliar a pessoa na resolução dos seus problemas. Isso é uma coisa e é bem empático.

Outra coisa sou eu citar outra pessoa como exemplo de como ser, fazendo a outra pessoa se sentir minúscula e inútil, porque não ter feito isso ou por não ter pensado nisso antes. Infelizmente, a maioria das histórias que escutei teve essa segunda conotação, que em nada ajudaram.


 Além da inferiorização, outro sintoma comum ao fazer essa comparação é estabelecer uma relação de competitividade com o “modelo sendo citado”, o que é terrível, ainda mais na conjuntura atual, onde isso é mais incentivado do que o aspecto colaborativo, que poderia auxiliar muito mais as pessoas.


4. “Falar, falar, falar e falar”

Quando uma pessoa está se sentindo mal e está fragilizada, ela está precisando de ESCUTA: uma escuta atenta, acolhedora e sem julgamentos, e não de outra pessoa que só fale, fale e fale.

Se você REALMENTE quer ajudar alguém que não está bem, então, tem que criar o hábito de ESCUTAR, porque se você for só mais uma das milhões de pessoas na Terra que só quer falar, você não vai ajudar essa pessoa em absolutamente nada. A impressão que os(as) tagarelas e “interruptores(as)” passam é de arrogância, por considerar que são os(as) únicos(as) com algo interessante a dizer e que merecem todo o espaço e tempo de fala, enquanto o(a) outro(a), que está em situação de necessidade vocal, não.


ELA que precisa falar, porque mesmo que, na prática, aquilo não resolva os seus problemas, colocar as suas dores e angústias para fora vai contribuir com que ela se sinta melhor. A psicanálise, inclusive, tem essa lógica, onde a pessoa fala livremente e ao contar para o profissional que está atendendo, ela organiza seus pensamentos e isso pode ajudá-la a encontrar soluções para suas questões.

Claro que, ao escrever, não estou falando para psicanalistas ou psicoterapeutas (até porque não sou uma profissional da saúde mental), mas para pessoas com seus diversos saberes, porque isso não substitui a ida a um psicólogo ou a uma terapia, mas uma escuta acolhedora pode ser um gesto muito carinhoso e curativo para alguém e, mesmo não substituindo o trabalho de profissionais, vai deixar a pessoa mais segura e mais feliz.

Não é que “você nunca vá falar”, mas nessas situações, é melhor você escutar mais e falar menos, ou melhor: escute tudo o que a pessoa sente necessidade de dizer e fale só depois e, de preferência, fale coisas que possam ajudar em algo. Se não tiver nada de bom ou de relevante a dizer, fique calado(a) ou diga, sinceramente “eu não sei como te ajudar nessa situação, mas no que precisar, estou aqui”.



Para falar de outras experiências contrastantes, eu estava em casa quando me ligaram e eram pessoas com quem não falava há anos. Fiquei surpresa porque não esperava e aí, foram perguntando sobre minha vida e fui contando todas as barras que eu enfrentei, desde a última vez em que nos falamos e aí, ouvi coisas como “estou chateada porque você não me contou sobre isso antes” e “você precisa aprender a comunicação não violenta”.

Claro que aprender a comunicação não violenta é necessária para todes, mas tem como se comunicar sem se irritar, quando alguém te interrompe constantemente e só quer falar, e ainda vem uma segunda pessoa defender a outra, a qualquer custo, numa disputa covarde de 2 contra 1? Foi aí que me lembrei do porquê de ter me afastado dessas pessoas e porque passei todos esses anos sem contar nada sobre mim.

E agora, o contraste: não estive muito bem esses dias, mas consegui ir ao Clube de Leitura do Mulherio das Letras Zila Mamede, coletivo que participo e foi uma ocasião muito feliz, estar no meio dessas mulheres incríveis e escutar a Clotilde Tavares, que escreveu o maravilhoso romance “De repente a vida acaba” e a troca entre todas nós foi FANTÁSTICA!

Então, no meio das discussões, alguém que estava na mesa comigo percebeu “algo diferente no ar” e perguntou “você está bem?” Era Jéssica e sua alegria contagiante. Fiquei feliz com sua percepção e foi quando revelei “não muito” e, após o evento, onde ri e aprendi muito com a Clotilde e com todas as manas ao redor, conversamos um pouco e contei o que me estava preocupando.


Me senti tão acolhida quanto se um anjinho viesse e beijasse minha testa, dizendo que “vai ficar tudo bem” e até consegui dormir mais cedo e melhor! Muito obrigada, Jéssica, pela escuta tão humana e acolhedora!

Jéssica falou coisas muito importantes, nesta noite, que me fizeram refletir a ponto de escrever esse texto.

Ela disse o que muita gente, que está em más situações, precisa ouvir: “você não está sozinha. Não guarde tudo só pra si”, mas, na prática, me sinto assim pelos motivos acima: as pessoas não sabem acolher – elas não sabem ou não querem escutar, e quando escutam, fazem piadas de péssimo gosto e que nada ajudam, porque diminuem você, seus problemas e sua capacidade para enfrentá-los.


É por esse motivo que não dá vontade de sair contando minhas questões para as pessoas: guardo tudo para mim, não porque quero, nem por “esperar que alguém venha me socorrer”, mas porque diante de todo o exposto, eu preciso, caso contrário, me sentirei pior e é só isso o que a falta de empatia causa entre quem precisa escutar e quem não sabe acolher: distância. Quem diabos vai se sentir à vontade para conversar e se abrir com pessoas que as diminuem ou que ri delas?

“Ai, Dali! Mas pelo que você falou acima, é muito chato: temos que falar menos, mas, ao mesmo tempo, tem uma vibe meio prolixa...” Nós somos responsáveis por tudo o que sai de nossa boca (ou dedos) e isso inclui seres humanos que não gostamos. É o que diferencia a opinião do discurso de ódio. Se é assim com pessoas que não nos agradam, imagina com as que amamos!

Quando você realmente ama e se preocupa com alguém, você tem que medir bem as palavras e, algumas vezes, isso faz sim com que sejamos um pouco prolixos na hora de falar, especialmente, quando essas pessoas estão num estado de profunda dor. Essas falas, aliadas à escuta, fazem com que elas sintam seus problemas validados e isso alivia.



Sim, dá trabalho, é cansativo, mas o caminho é esse. Se você não pretende repensar suas atitudes, nem se dispor a desenvolver essas capacidades, melhor não consolar ninguém. Afaste-se e chame outra pessoa que tenha um pouco mais do tato que esse alguém precisa e ofereça ajuda de um bom profissional de saúde mental que você conheça. É melhor do que falar bobagens e piorar a situação.

Naquele dia do Clube de Leitura, tive a sorte de Jéssica ter percebido e me escutado, mas não é sempre que tenho essa sorte e muitas pessoas vivem essa mesma realidade.

No final das contas, Clotilde tinha razão “enquanto houver uma Jéssica, o mundo está salvo” porque sim: essas atitudes salvam vidas, são as que realmente fazem diferença e dão um relampejo de esperança, por serem o que torna esse planeta mais bonito e agradável de viver.

Beijão!


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