Outros olhos e ouvidos

segunda-feira, 26 de agosto de 2024



(Daliana Medeiros Cavalcanti - 27/08/2024)

À medida que o tempo vai passando, minha sensibilidade fica mais aflorada e, como tudo na vida, existem dores e delícias nisso: as delícias estão nessas novas experiências e percepções, e as dores estão em toda a fragilidade na qual você fica imersa, ao se sentir ainda mais vulnerável...

Essa sensibilidade tem se transformado com o tempo, de forma que mesmo tendo me fortalecido, em muitos aspectos, desenvolvi outras maneiras de sentir o mundo e isso não é algo que controlo: simplesmente acontece.

Vocês já tiveram essa sensação de enxergar e escutar com os olhos e ouvidos do(a) outro(a)? Eu tive, de uns anos para cá, e é diferente de ter empatia! A empatia é sentir com o outro, mas o sentimento é seu, portanto, você sente com sua visão e escuta, mesmo que sejam compartilhados.

Claro que conversas e livros nos ajudam a mudar nosso olhar e escuta, mas ainda não é isso o que estou falando: é como se, durante alguns minutos, você tomasse os olhos e ouvidos do outro emprestado, enquanto os seus órgãos adormecessem ou “saíssem de cena” por alguns segundos ou minutos, e durante esse tempo, você ouve e vê diferente.

Também não me refiro ao teatro, mas, certamente, citar todas essas expressões artísticas devem ter contribuído, de alguma forma, para o desenvolvimento dessa experiência sensível e, sem querer romantizar aquela época e situação horríveis, todo o isolamento da pandemia de COVID-19 também contribuiu com isso.

Em 2021, eu estava prestes a apresentar o “Sarau Des(a)fiadas” com as queridas multiartistas Paula Queiroz e Mainá Santana, e daí, Paula pediu que eu escolhesse umas músicas, para ficar tocando, antes de começarmos. Então, sugeri o álbum favorito da minha banda de paixão, que é o Oceanborn do Nightwish.

Como estou acostumada com a sonoridade da banda, que já foi classificada como metal melódico, metal gótico e/ou metal sinfônico, em diferentes momentos e álbuns, eu não acho o som pesado, entretanto, Paulinha me perguntou “não tem algo mais leve não?” e, naquele instante, deu algum “estalo”, onde passei a ouvir como se fosse uma pessoa que não estava acostumada a escutar metal, nem nunca tinha escutado Nightwish na vida! Então, eu me dei conta que era um som pesado, especialmente, para quem não tinha o costume de ouvir esse estilo.

No final das contas, Mainá disse “metal é assim mesmo” e deixamos tocando, mas depois, fiquei me perguntando se havia feito uma boa escolha, porque, de fato, tenho consciência que o metal não é um gênero musical conhecido por muitas pessoas, especialmente, aqui em Natal/RN, mas como o Nightwish tem o belíssimo som do teclado e a voz maravilhosa da Tarja Turunen (primeira vocalista da banda), que contrabalanceia com o peso da guitarra, bateria e baixo, não achei que considerassem tão pesado assim.

Depois, não tive mais experiências, neste sentido, até este ano de 2024.

Cantei num aniversário, que coincidiu com o meu, e pedi para tirar foto com três artistas, que estavam recepcionando as pessoas no buffet: dois com pernas de pau e um com malabares flamejantes. O cantor e empresário Zé Luís, então, deu a sugestão de me filmar próxima ao artista com os malabares.

Eu já sabia que o artista ia cuspir fogo, perto de mim, mas tomei um susto, ainda assim, e ao assistir ao vídeo, achei a cena engraçadíssima. Vi e revi, várias vezes, para rir de mim mesma, me assustando com o clarão e calor do fogo, que estavam logo atrás. O diferencial foi que eu me vi com os olhos de outras pessoas!

Mais uma vez, na montagem do espetáculo Des(a)fiadas, conversando com as meninas, elas comentaram algo curioso: que elas me achavam muito feliz! Achei esquisitíssimo ouvir aquilo, porque tenho lembranças de mim mesma, como aquela adolescente, nos anos 90, curtindo grunge, totalmente deprimida e revoltada com a vida...

Mesmo tendo mudado bastante, a autoimagem adolescente ficou em minha mente. Hoje em dia, não me considero mais uma pessoa triste e deprimida, como era, antigamente, mas feliz e melancólica, porque as constantes reflexões e experiências, nos transformam em adultos meio melancólicos.

Mesmo assim, quando ouvi as meninas dizerem isso, pensei “oxente! Onde é que elas estão vendo essa felicidade toda?”. Achei tão estranho que levei isso para a sessão de terapia e minha psicóloga confirmou que "eu transmito uma energia boa e leve às pessoas". Que bom saber disso, mas... Voootz!

E aí, ao ver esse vídeo do susto com o fogo, este ano, eu consegui me enxergar com os olhos de Mainá, Paulinha e Jana, e pensei: “caramba! Eu sou muito feliz mesmo! Eu passo essa imagem, sei lá por que, mas aparento isso mesmo”.

Essa crônica é meio bizarra e pode parecer boba, para algumas pessoas, mas foram experiências que me marcaram, que eu não controlo, nem busco por essas sensações, mas que foram percepções expandidas, que não havia experimentado antes.

Tenho um misto de medo e curiosidade, não vou mentir! Fico me perguntando até onde vai essa sensibilidade toda, se ela continuar aumentando com a idade e se terei forças para aguentar os efeitos dessa hiper-sensibilidade; maturidade para aceitar e abraçar essa "esquisitice", não importa que rumos ela tome; e sabedoria para dividir isso com as pessoas certas, que me amem, compreendam (ou, pelo menos, tentem) e me aceitem, mesmo com esse traço de sensações atípicas.

Enfim… Mais uma de minhas viagens, que faço sem efeitos de drogas: só eu sendo eu mesma - naturalmente drogada.


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