Reflexões sobre a Chacina de Campinas

sábado, 7 de janeiro de 2017


Li muita coisa sobre essa chacina e ainda me chocam ver os comentários de homens mostrando todo o seu ódio contra as mulheres. Aliás, "está na moda odiar pela internet" e pretendo fazer uma postagem especial somente sobre isso, posteriormente, mas agora, o assunto é a chacina.

Muitas pessoas estão fazendo comentários absurdos sobre o assassinato de toda aquela família. Absolutamente nada pode justificar aquilo e quando muitos homens se comovem com a carta que ele deixou, é preocupante... Principalmente porque uma das intenções dele e que ele deixou clara na carta é incentivar que os homens se vinguem de suas ex-companheiras, a quem ele chama, pejorativamente, de "vadias". E queridos leitores, um alerta: se você conhece alguém que se comoveu a ponto de tomar as dores do assassino e está esbravejando contra as mulheres ou comentando coisas absurdas, recomende que essa pessoa faça uma terapia e procure um psiquiatra/psicólogo. É sério. Se você não conhece, DENUNCIE!!! Discurso de ódio não é opinião!



Comentarei pouco, pois existe uma notícia, dissecando item por item da carta do assassino, muito bem escrita pela Carol Patrocínio aqui. Farei só mais alguns apontamentos que vi e não reproduzirei o conteúdo da carta dele, colando o que ele escreveu. Falarei "por cima", uma vez que a Carol já comenta cada item e por uma questão ética. Conversei com umas amigas e existem dois pesos e duas medidas ao divulgar uma carta como essa:
  1. Pode incentivar assassinos e psicopatas a fazerem o mesmo que ele fez e ele conta, na própria carta, que é exatamente isso o que ele quer;
  2. Pode causar a reflexão por parte das pessoas que escrevem e compartilham pensamentos preconceituosos na internet, que se consideram de "extrema-direita".

2016 foi um ano de muitos crimes chocantes e um ano chocante também para a política e me assusta que as pessoas estejam misturando tanto as coisas.

Ser de direita não é um problema. Ser de extrema-direita é. Extrema esquerda também, pois nada extremo é bom, entretanto, eu ainda não conheci nenhuma pessoa de extrema esquerda. Conheci pessoas que possam ter opiniões extremas sobre alguns assuntos como o feminismo, por exemplo, mas não conheci nenhum "extrema esquerda" defendendo o Socialismo ou o Comunismo e propondo "revoluções armadas" com violência para mudar o sistema e tudo o mais... A maior diferença que vejo entre esquerda e direita (divisões que detesto, por sinal, pois não estamos mais na Guerra Fria, entretanto, como as próprias pessoas se definem assim, fica difícil não usar esses termos) é que a esquerda está mais aberta ao diálogo.



Pessoas de extrema direita, em especial, justificam seus comportamentos utilizando o "conservadorismo" como desculpa, mas ser conservador e ser preconceituoso são coisas bem diferentes e é por isso que devemos ter cuidado com essas pessoas que se dizem "conservadoras".



- Dali, mas o que diabos esse assunto tem a ver com a chacina?

Infelizmente, o conteúdo contido naquela carta tem muito a ver com o que esses "conservadores" compartilham nas redes sociais e isso é preocupante demais, pois são eles, justamente, os que estão se compadecendo com o assassino.

Na carta, ele culpa a Dilma e a chama de vadia (oi? O que diabos a Dilma tem a ver com isso? Será possível que até nisso ela é culpada? Ele deve seguir a filosofia do Homer Simpson, que diz "a culpa é minha e eu a coloco em quem eu quiser") e chama a lei que protege a mulher da violência de "Vadia da Penha".


Ora... Se a lei tivesse funcionado plenamente, a mulher teria o mínimo de proteção policial contra um monstro desses. O problema é que, muitas vezes, os próprios policiais, na sua maioria, homens, acham que "as mulheres estão exagerando" ao fazerem suas denúncias. Um caso como esse pedia proteção policial, pois ele já havia sido denunciado seis vezes!

Esses casos de mulheres agredidas que ficam sem proteção policial são muito mais comuns do que se imagina. No filme "A Informante" com a Rachel Weissz mostra a história de uma policial americana, que resolveu trabalhar na ONU, na parte da Europa Oriental e ao perceber os casos de violência contra a mulher, ela levava aos policiais locais, mas como ela era a única mulher, eles faziam pouco caso. Depois é que ela descobre que a violência contra a mulher era uma "pequena parte" do horror que muitas mulheres daquela região sofria, pois descobre uma Rede de Tráfico de Pessoas, com membros da própria ONU, que deveria proteger essas vítimas. Esse filme é baseado em fatos reais e tem cenas incrivelmente chocantes. Vejam o trailer aqui.


Infelizmente, acontece sim de existir uma lei para proteger vítimas ou garantir direitos e as pessoas tomarem proveito disso. Isso existe, mas quando o cara é denunciado seis vezes antes de cometer o crime, ele não era inocente e as medidas que a mulher tomou para sua proteção e para proteção de seu filho foram corretas. O município e a polícia que não garantiram melhor a segurança dela.

Aliás, inocência por inocência, todos alegam ser. É até curioso que as pessoas acreditem na carta dele e não se questionem isso.

Um dos assassinos do vendedor ambulante que protegeu dois travestis, que seriam agredidos se não fosse a ação corajosa dele, alegou que "não era uma má pessoa". Na carta, ele diz que não é louco... Se eles são pessoas boas e sãs, o que dirá das "más" e doidas, né?


Outras coisas extremamente incoerentes que ele faz e que pode indicar alguma insanidade mental é que ele se refere sempre ao filho como se soubesse a opinião dele, mas quem é que sabe se o menino realmente chorava por não estar com o pai ou que pensava tudo o que ele achava que o menino pensava? Muitas pessoas julgam saber o que outras pessoas sabem, pensam e são, mas, muitas vezes, isso não corresponde à realidade. Não precisa nem ser louco para isso, na verdade... Quantas e quantas vezes nós não nos apaixonamos por alguém e achamos que a pessoa goste das mesmas coisas que nós...? E que elas digam, exatamente, o que queremos ouvir...? Ou até o contrário: tem uma pessoa que vc detesta, espera tudo de ruim e depois, ela se surpreende e fala algo que você gosta...? A enorme incoerência da carta é que ele escreve um diálogo com o filho, como se o filho fosse ler a carta, mas ele também mata o próprio filho... Então, como é isso...? Ele achou que o filho "ia ler quando estivesse no céu..."?

Essa chacina, sem dúvida, foi um episódio muito, muito triste e com muito a se pensar e a se discutir.

Um outro tema muito interessante e importante para se conversar é a chamada "alienação parental".


Já existem leis que proíbem essa alienação, entretanto, acho que vale a pena uma maior investigação e apuração da situação de cada família.

A criança de pais separados, com certeza, não pode deixar de ver uma das partes, mas alguns casos muito comuns e que vi acontecendo com amigas queridas são de pais que se aproveitam disso para envenenar a cabeça da criança contra o outro genitor. Isso é muito cruel e é terrível para formação da criança! Acabam descontando a revolta da separação nos filhos inocentes, que nada têm a ver com a história e vi isso acontecendo mais dos homens, envenenando os filhos contra as mães do que o contrário, mas sei, perfeitamente, que o contrário também acontece.

Mais uma vez, não creio que tenha sido o caso, pois ele foi denunciado seis vezes. Ela estava protegendo a criança de um pai louco, abusador e violento.


Relendo o capítulo no "Livro do Amor" sobre a Grécia Antiga, me deparo com trechos muito interessantes, pois a autora, além de historiadora, também é psicóloga e são trechos que explicam um pouco do comportamento de pessoas violentas e que foram rejeitadas.

Há diferença entre violência reativa e violência vingativa, ou seja, entre o ato passional de alguém que mata num acesso de ciúmes, violência e loucura, e o ato planejado detalhadamente por quem foi rejeitado. Neste caso, o único objetivo é causar o máximo de sofrimento à pessoa — ou às pessoas — responsável por sua infelicidade.
Bom... Acho que nem preciso dizer que no caso da chacina, estamos tratando da violência vingativa, pois ele planejou o ato e a carta conta que o crime foi premeditado. Ele só aguardava o momento certo.

Para a escritora uruguaia Carmen Posadas o ato do amante passional que mata o ser amado que o abandona ou prefere outra pessoa é a consequência da frustração de seu desejo de posse. A pessoa não suporta mais seus sofrimentos e sente que sua única possibilidade de salvação é cortar o problema pela raiz. Entretanto, a dinâmica da violência vingativa é outra. O amante quer resolver uma questão que considera pendente; não quer evitar o mal que o ameaça, mas “anular magicamente” aquilo que na realidade já aconteceu. Delicia-se imaginando mil vezes o castigo que infligirá ao ser amado ou ao rival que o roubou, inventando roteiros de terror continuamente aperfeiçoados. O que move a vingança é o ódio, fruto da rejeição. O amante rejeitado acredita que ninguém o amará, nunca mais. Odeia a si mesmo e à pessoa que nele provocou esses sentimentos. Como o ódio não tem o poder de refazer o passado, ele confia à vingança futura.
Não duvido que ele tenha se deliciado ao imaginar todas as mortes e estragos que ele causou. Tanto que ele quis "adiar o prazer para mais tarde". Ele ia matar a todos no Natal, mas adiou para o Reveillon.

Depois do crime, o criminoso passional não costuma fugir. Alguns se suicidam, morrendo na certeza de que o ser amado não pertencerá a mais ninguém.
Pode ter sido uma das motivações dele, quem sabe? E não apenas em relação ao filho, mas à própria ex-mulher.

A morte física é a continuação da morte psíquica provocada pelo abandono. Quanto mais violento o ato suicida, mais evidente é o desejo de desforra. “A mulher rejeitada desliga a máquina social da aparência que mantinha viva e escolhe a autoeutanásia para jogar na cara de seu companheiro mal-agradecido o quanto o amou e o quanto sofreu por sua culpa. O desejo de desforra é o pano de fundo mais comum do ato suicida. Ferida, a vítima fraudada da paixão deseja que quem a abandonou nunca se esqueça do terrível mal que lhe causou.”
Quanto ao suicídio dele, esse trecho nos mostra sim um desejo de desforra... De compensação por "todo mal e sofrimento que ela causou nele", entretanto, ele já a matou antes que ela pudesse se arrepender, mas, no meu entendimento, a motivação por trás disso é muito mais sinistra, pois ele convocou os homens que se sentissem injustiçados pela Maria da Penha a fazer o mesmo, então, a intenção pode ser causar arrependimento nas mulheres que precisaram da lei para se proteger... A ideia mesmo era espalhar o terror entre nós mulheres, pois nós lemos a carta...


Outro aspecto interessante e que a própria Carol, em seu texto sobre a carta dele, trata, é que a ex-mulher é sempre tratada como "vadia" e a nova namorada como "anjo", mas antes de tudo isso acontecer, houve um período em que ele considerava a ex-esposa um anjo. Claro que sim! Caso contrário, como é que ele teria se casado com ela e tido um filho? Mas poucas pessoas param para pensar que se ele não tivesse se matado, talvez o atual "anjo" dele pudesse se transformar numa "vadia", afinal, quais os requisitos para um "título" ou outro? O "anjo" é aquele que faz tudo o que ele espera que faça e a "vadia", tudo o que ele espera que não faça? Se for assim, infelizmente, o mundo está cheio de "vadias", pois ninguém tem o poder de ler mentes para saber o roteiro que você escreveu para elas. Mesmo as pessoas que você mais ama, poderão discordar de você algum dia e isso não é ruim. Isso pode te acrescentar alguma coisa.

E discordar seria "o menor e mais bobo dos casos", mas é comum estarmos felizes com alguém que amamos e, de repente, a pessoa se dá conta de que você não é a "pessoa da vida dela" ou, simplesmente, que ela não te ama mais. Você também pode ser essa pessoa. É triste, é doloroso, é muito sofrimento, mas pode acontecer. É a questão do "aceita que dói menos".

Também não foi o caso, pois ela se afastou dele por causa do comportamento violento, mas se fosse isso, também não justificaria a chacina. Aliás, nada justifica, pois matar nunca foi e nunca será solução para nada.

A morte é a única certeza que nós temos na vida, mas abreviar a vida de alguém ou a sua própria por ódio é mostrar ao mundo que você jamais deveria ter vivido...



Boa noite...

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